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Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal (IF) e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é uma das maiores especialistas em Cerrado no Brasil. Há 35 anos ela se dedica a investigar o bioma mais ameaçado do território brasileiro. Recentemente, em parceria com colegas, publicou um artigo científico que é de grande valia para a compreensão das áreas úmidas, que garantem a existência de rios que abastecem oito bacias hidrográficas – entre eles Xingu, Araguaia, São Francisco e Paraná.

Segundo a pesquisadora, a destruição de áreas úmidas não ameaça apenas a biodiversidade e a extraordinária beleza das paisagens do Cerrado, mas põe em risco toda a segurança hídrica e energética do país. O problema é que a própria definição de áreas úmidas ainda é confusa e tem sido explorada por produtores rurais que, de forma irresponsável, estão drenando as áreas úmidas do Cerrado para estender as lavouras de soja até os rincões. Conforme explica Durigan, tal prática é um “tiro no próprio pé”, uma vez que a possibilidade de irrigação depende da sobrevivência dos mananciais.

Comentando sobre seu artigo Cerrado wetlands: multiple ecosystems deserving legal protection as a unique and irreplaceable treasure, publicado no periódico Perspectives in Ecology and Conservation, a pesquisadora do IF diz que a falta de definições tem dificultado a regulamentação, deixando importantes segmentos do Cerrado desprotegidos. “Nosso objetivo foi esclarecer o que são áreas úmidas; que ecossistemas podem ser abarcados por esse nome; que dinâmicas eles apresentam; e o que devemos fazer para protegê-los”, disse em entrevista à Agência Fapesp.

Como explica Giselda Durigan, áreas úmidas são “porções de terras continentais que estão sujeitas, periódica ou permanentemente, a encharcamento do solo ou inundação”. Dada a sua fragilidade e extrema importância para o armazenamento e a filtragem da água, são globalmente protegidas, desde a convenção intergovernamental realizada em Ramsar, no Irã, em 1971, da qual o Brasil é signatário. “Ocorre que, até hoje, o país não atendeu ao compromisso de mapear todas as suas áreas úmidas.”, afirma.

Como exemplo do grave risco que a falta de definições precisas e as ambiguidades na interpretação da lei podem acarretar, Durigan cita a Resolução 45, de 31 de agosto de 2022, aprovada pelo Conselho do Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema). Essa norma simplesmente regulamenta o ‘licenciamento ambiental de atividades localizadas em áreas úmidas’ no âmbito estadual. “Por trás dos eufemismos do texto, a resolução, de fato, libera a destruição”, denuncia a pesquisadora.

A confusão que embaralha a regulamentação deve-se ao fato de que, dentro das áreas úmidas do Cerrado, existem diversos tipos de vegetação, que resultam em múltiplas denominações regionais. São campos úmidos, murundus, turfeiras, veredas, palmeirais, buritizais, matas de galeria, matas de brejo, etc. “Às vezes, em uma única área úmida, existem dois ou mais tipos de vegetação, desde campos limpos até florestas densas, o que tem dificultado seu entendimento, delimitação e proteção. O problema é que a lei se refere a apenas um dos tipos, deixando os demais desprotegidos”, ressalta Durigan.

Ela conta que o artigo resultou de um esforço multidisciplinar, envolvendo especialistas em vegetação, hidrologia, ecofisiologia, conservação, restauração e legislação ambiental, que utilizaram seus conhecimentos técnicos e experiências práticas para unificar e disseminar sua compreensão sobre o assunto. O grupo teve apoio da Fapesp.

“Para nós, todas as áreas úmidas devem ser igualmente e integralmente protegidas por lei, garantindo-se que não sejam convertidas para cultivo e que seus pulsos naturais de encharcamento ou inundação não sejam afetados pelo uso da terra ao redor. Práticas de exploração sustentável, como a apicultura e o extrativismo, por exemplo, podem ser admitidas, mas precisam ser validadas e regulamentadas”, enfatiza Durigan.

As áreas úmidas são um extraordinário repositório de carbono, estocando mais de 200 toneladas por hectare. Alterações em seu equilíbrio cíclico tendem a liberar metano (CH4) para a atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa (GEE).

Leia o artigo na íntegra (clique aqui).

Bruno Ribeiro, com informações da Agência Fapesp

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