buta sonia

A produção de soros hiperimunes equinos é uma expertise centenária do Instituto Butantan e salva 30 mil pessoas por ano no Brasil de acidentes com serpentes. Mas nem todos conseguem ter acesso ao tratamento: a maioria dos casos de picada de cobra peçonhenta ocorre em comunidades remotas, muitas delas afastadas de grandes centros e sem acesso à energia elétrica. O soro, em contrapartida, precisa ser utilizado em no máximo 48h após o acidente, exige doses altas administradas via endovenosa, deve ser armazenado sob refrigeração e só pode ser aplicado por profissionais da saúde. Com o avanço da ciência, novas estratégias têm sido investigadas para ampliar o acesso a esse tipo de tratamento – e uma delas é o uso de anticorpos monoclonais (mAbs).

Podendo ser de origem humana ou animal, os mAbs são anticorpos produzidos por um único linfócito B, que é clonado e imortalizado para produzir sempre os mesmos anticorpos. Já existem tratamentos registrados pelas agências regulatórias que usam mAbs humanos para tratar doenças crônicas, mas ainda nenhum aprovado contra o ofidismo. Segundo uma revisão publicada pelo Butantan, esses anticorpos podem ser usados para produzir antivenenos específicos para neutralizar as principais toxinas da peçonha, servindo como uma terapia alternativa.

Anualmente, cerca de 5 milhões de pessoas sofrem picadas de cobras em todo o planeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera a condição como uma doença tropical negligenciada. Para ampliar as possibilidades de tratamento, o pesquisador Wilmar Dias da Silva, em colaboração com a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, participou do desenvolvimento de hibridomas (células de replicação contínua) produtores de mAbs contra as toxinas do veneno da jararaca (Bothrops) e da serpente africana biúta (Bitis arietans).

Uma das principais vantagens é a possibilidade de criar um único coquetel de anticorpos específicos para diferentes classes de toxinas. Outro ponto positivo é a redução do uso de animais e, a longo prazo, do custo de produção. “Os camundongos são utilizados apenas no início do processo para obter os hibridomas. Depois que essas células são transformadas, basta cloná-las com ferramentas de biotecnologia”, explica a pesquisadora Sonia Andrade (foto), que participa do estudo.

Nesse momento, em colaboração com a pesquisadora Ana Moro, Sonia está conduzindo testes de inibição in vitro dos mAbs contra as toxinas, analisando a eficácia dos anticorpos separadamente para, em seguida, analisar o coquetel. As próximas etapas da pesquisa incluem a caracterização bioquímica dos anticorpos e ensaios in vivo.

Essa estratégia tem sido investigada em outros países desde a década de 1980, quando cientistas franceses criaram os primeiros anticorpos monoclonais contra o veneno da Naja nigricollis. Alguns mAbs mostraram resultados promissores em testes pré-clínicos, mas ainda não há ensaios clínicos em andamento.

Sonia ressalta que o objetivo de pesquisar novas tecnologias não é substituir o soro antiofídico, mas sim oferecer mais opções de tratamento para o ofidismo, que ainda é muito limitado em países de baixa renda e em comunidades que vivem em áreas remotas. A maioria dos países da África, por exemplo, não tem produção local de antivenenos, como mostra o mapa da OMS, e depende de importação de soros para tratar os acidentes.

Com informações do I. Butantan

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