O presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), João Paulo Feijão Teixeira, participou na manhã de hoje (19/10) da abertura da Semana Municipal de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento, organizada pela Câmara Municipal de São Paulo. Confira a fala do nosso presidente a partir do minuto 51:00 no vídeo abaixo, em que aborda a necessidade de aproximação da ciência com o poder legislativo. Na sequência, o texto da palestra na íntegra.

Importância do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação para a proposição de Políticas Públicas

Por João Paulo Feijão Teixeira

O Estado de São Paulo ao longo de sua história tem usufruído dos avanços científicos e tecnológicos gerados pelo Sistema Paulista de C, T e Inovação e principalmente porque esses avanços têm sido incorporados ao seu processo produtivo. E sem fazer busca exaustiva pode-se destacar alguns poucos dos inúmeros bem-sucedidos resultados de conhecimentos, tecnologias e inovações desenvolvidos e/ou viabilizados pelas instituições de C, T & Inovação de São Paulo. Inovações como, por exemplo, a ferrovia que permitiu a transposição da Serra do Mar na segunda metade do século 19 que se apresentava como praticamente impossível se tornou realidade e foi determinante para a expansão da economia cafeeira e fundamental na industrialização do estado.

Além do impacto da ferrovia, o desenvolvimento da economia cafeeira contou também com a notável atuação de institutos de pesquisas agrícolas do estado. Inovações genéticas permitiram a produção de novas variedades de cafeeiros, o que contribuiu para tornar a cafeicultura brasileira extremamente competitiva. Hoje o País é o maior produtor e exportador de café, responsável por cerca de 30% de todo café comercializado no mundo.

Ainda citando feitos da ciência paulista com foco na agricultura tivemos o sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa no ano 2000, primeiro sequenciamento de patógeno no planeta, agente biológico responsável por importante doença que afeta a citricultura. Citricultura brasileira que como resultado da efetiva atuação da pesquisa científica, também é líder na exportação mundial de suco de laranja, responsável em 2020 por embarques que superaram US$ 1,4 bilhão. O Brasil, em especial São Paulo, responde por aproximadamente 80% do suco de laranja comercializado no mundo.

Lembremos da descoberta da Doença de Chagas, no início do século passado, da identificação da bradicinina, por um pesquisador do Instituto Biológico e outro egresso do Instituto Butantan que resultou no desenvolvimento de um dos medicamentos mais usados no controle da hipertensão arterial a partir do veneno da jararaca. Também, trabalhos reconhecidos do professor Milton Santos, geógrafo, intelectual, importante pensador brasileiro cujos estudos inovaram a área da geografia urbana e foram fundamentais para uma nova abordagem do assunto. Tecnologias para uso da cana-de-açúcar, fonte renovável para produção de combustível, energia, de bioplástico, entre outros.

Ainda, controle de vetores transmissores de doenças, vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, desenvolvimento e produção de vacinas, soros, imunobiológicos, biosensores, controle de zoonoses. Avanços tecnológicos em processamento e embalagens de alimentos, nanotecnologia, preservação ambiental, mudanças climáticas, mapeamento de riscos, elevação da produtividade de espécies agrícolas cultivadas, agricultura de baixo carbono, bioengenharia, inteligência artificial, apoio tecnológico a municípios… E um sem-número de feitos que poderiam ser citados…

Sabem por quê? São Paulo tem um moderno aparato científico e tecnológico representado por institutos públicos de pesquisa científica, dentre eles renomados institutos como o I. Butantan e I. Adolfo Lutz, hoje destacados neste evento; agência de fomento como a FAPESP; universidades como a Universidade de São Paulo – USP, Universidade Estadual Paulista – UNESP e Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; e muitos outras instituições federais e privadas de ensino e pesquisa. Mas, faço um destaque aos institutos públicos de pesquisa, minha origem, para contextualizar informações com os participantes desse encontro.

O Estado de São Paulo tem 19 institutos públicos de pesquisa vinculados a diferentes secretarias estaduais:
São sete institutos vinculados à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Instituto Agronômico, Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola, Instituto da Pesca, Instituto de Tecnologia de Alimentos e Instituto de Zootecnia), sete institutos vinculados à Secretaria Estadual de Saúde (Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantan, Instituto Dante Pazzaneze de Cardiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Instituto Pasteur, Instituto de Saúde e a Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN
Um instituto vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Laboratórios de Investigação Médica – LIMs). O Instituto de Pesquisas Ambientais criado em 17/06/2021 vinculado à Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente que congrega as pesquisas antes desenvolvidas por três institutos (Instituto de Botânica, Instituto Florestal e Instituto Geológico). Também, o Instituto Geográfico e Cartográfico, vinculado à Secretaria Estadual de Projetos, Orçamento e Gestão. E o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, vinculados à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Destaco que as sedes dessas instituições em sua maioria, 14, estão localizadas no município de São Paulo. Isso representa uma efetiva oportunidade de interação e aproveitamento do conhecimento nelas desenvolvidas para fins de estabelecimento de políticas públicas municipais. São organizações caracterizadas pela excelência. Esses órgãos foram fundamentais para o processo de diversificação e de modernização da produção, que transformaram São Paulo no Estado mais rico do País e em importante polo econômico da América Latina.

Porém, hoje faz-se necessário que essa estrutura, se articule de modo mais eficiente criando um grande universo de instituições voltadas à produção de conhecimento científico, formação de recursos humanos, geração de tecnologias, fomento à inovação e de ativa colaboração na concepção e implementação de políticas públicas. Isso implicará na interação programática das entidades públicas e privadas, bem como com os poderes executivo e legislativo possibilitando uma sinergia entre os agentes no sentido de tornar efetivo o potencial do aparato paulista de C, T & Inovação. Este evento, que hoje se inicia, em todo seu desenrolar contribui com esse propósito e daí sua importância.

Mas, mesmo de maneira genérica, cabe enfatizar a importância da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento. Pois constituem, no cenário mundial atual, ferramentas fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda e a democratização de oportunidades, ou seja, a inclusão. Possibilitam avanços na saúde, alimentação, energia. Permitem compreender um pouco mais a natureza, ter qualidade de vida melhor, eliminar ou controlar muitas doenças. Portanto, além da curiosidade humana, o avanço científico persegue a solução de problemas que afligem a humanidade.

Porém, cabe um alerta ou reflexão. Esses avanços científicos ou tecnológicos são asseguradores do presente e portadores do futuro mas, também, fonte de apreensão, já que nem todos conseguem acessá-las do mesmo modo e, portanto, nem todas as pessoas são beneficiadas por seus resultados da mesma maneira, muitos ficam sem sentir os efeitos do uso intensivo de ciência e da aplicação das tecnologias localmente mais eficientes.

A ciência, entretanto, tem resultados para as questões que enfrentamos todos os dias e ela pode fornecer conhecimentos e informações importantes para possibilitar o processo pessoal de tomada de decisão, pode influenciar decisões políticas e fornecer o conhecimento científico para se descobrir como atingir os objetivos definidos e quais serão as suas consequências prováveis. Além disso, desafios se agigantam no plano mundial: o conjunto das megatendências e os desafios presentes vão influenciar, por exemplo, a agricultura do futuro, a gestão das cidades e o meio ambiente além de efeito transformador para nossa história.

As projeções mundiais de aumento do consumo de água (+50%), energia (+40%) e alimentos (+35%) até 2030 são reflexos principalmente das tendências de expansão populacional, (serão mais de 2 bilhões de pessoas adicionais no planeta até 2030) maior longevidade e aumento do poder aquisitivo de grande parte da população mundial. Esses aspectos, associados ao processo de intensa urbanização, alterações no comportamento dos consumidores, às mudanças nas cadeias produtivas globais e aos conflitos geopolíticos, pressionam o mundo inteiro para que se concilie o aumento da produção de alimentos, fibras e bicombustíveis e outros com a necessária sustentabilidade, pois não bastará produzir maiores volumes de alimentos e bens, será imperativo produzir com mais qualidade, reduzindo custos, minimizando riscos e conservando os recursos naturais.

Viver mais tempo e com mais saúde, trabalhar menos, ter mais tempo disponível para o lazer, acesso a habitações adequadas, viver em cidades sustentáveis, reduzir as distâncias que nos separam de outros seres humanos – seja por meio de mais canais de comunicação ou de melhores meios de transporte – são alguns exemplos de demandas, que de há muito a ciência e a tecnologia têm contribuído para atender. Mas há questões cruciais para a ciência e a tecnologia nos dias de hoje E para os cidadãos que assumem o papel de dirigir uma cidade, um estado, um país.
Como para aqueles que se dedicam a legislar, a conceber, aprovar e fiscalizar políticas públicas.

Questões como ampliar o acesso da população aos benefícios gerados pelo conhecimento científico e tecnológico?
Como as desigualdades socioeconômicas são amenizadas ou intensificadas pelo desenvolvimento tecnológico?
Como será o trabalho no futuro, com as novas tecnologias permitindo a substituição do ser humano nas suas atividades repetitivas? São questões que merecem reflexão e ação.

Tendo em conta as megatendências presentes e as questões pendentes de solução desenvolvem-se a nível mundial agendas inclusivas e integradas que representam necessidade de novos comprometimentos das organizações de CT&I, dos poderes executivo e legislativo diante das necessidades expressas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, coordenados pelas Nações Unidas. São 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030, com ações mundiais nas áreas de erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização, entre outras.

A utilização de conhecimentos científicos na tomada de decisões na esfera pública é fundamental, sem que isso expresse determinismo científico, para o desenvolvimento social e econômico de um país tendo por base os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Pensemos: a iniciativa da formulação das políticas públicas geralmente vem dos poderes Executivo ou Legislativo, separada ou conjuntamente. Mas ela surge prioritariamente a partir de demandas e propostas da sociedade.
Surjam da forma que surgir o que é claro é o fato de que decisões baseadas em evidências científicas tendem a ser mais eficientes e assertivas, trazendo benefício a longo prazo.

A participação de trabalhadores do conhecimento subsidiando a elaboração e revisão de políticas públicas pode ser decisiva para a resolução de questões complexas. Exemplo conhecido entre nós nesse momento de pandemia. A decisão política deve levar em conta vários aspectos como a demanda popular apontando problemas a resolver, a ciência buscando soluções e o político interpretando os anseios da comunidade, a oportunidade, a abrangência ou as limitações das soluções para conceber políticas públicas. É uma oportunidade, uma necessidade, um recurso disponível e desejável.

E como Conclusão: é comum a consulta esporádica à área de ciência por governos e legisladores, mas o que destacamos é a necessidade de aproximação, desfrute de conhecimentos, do estado da arte da ciência em determinadas áreas para embasar decisões ou propostas de legislação. Cientistas podem integrar equipes de trabalho nos poderes executivo, legislativo e judiciário participando da formulação, revisão e implementação de leis e políticas públicas. Essa participação que pode ser institucionalizada com trabalhadores do conhecimento integrando quadros de estruturas de governança e tomada de decisão – prática já incorporada por governos da Europa e Estados Unidos – ou como participantes de comissões temporárias para eventos específicos ou emergências.

E para cumprir um dos seus objetivos dentro dessa missão faz-se importante lembrar do papel de uma instituição pública, como é o caso dos Institutos de Pesquisa e das Universidades que é de ser um agente formulador, indutor e suporte para construção de políticas públicas em todas as áreas. Esse é um dos papéis fundamentais (que reforço caber especialmente às universidades e institutos públicos,) o de agente crítico, de contribuição para que se construa no país políticas públicas mais adequadas ao desenvolvimento social e à qualidade de vida da população, neste caso paulistana.

Muito importante neste evento é a interação de instituições públicas, representadas pelo legislativo e executivo municipais e daquelas que tratam da questão da C, T&I. Cumpre-se assim um papel fundamental dos órgãos públicos, que é o de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade como um todo. Isso nos traz extrema satisfação em participar neste evento, esperando que tenhamos o máximo envolvimento, troca de informações e conhecimento nas várias sessões que ocorrerão durante a semana.

Quando estarão em destaque: gestão de riscos, habitação, tecnologias da informação, meio ambiente urbano, mudanças climáticas, saúde pública e mobilidade urbana. Finalmente, como está dito no folder de divulgação desta Semana Municipal de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento: construir cidades inclusivas e igualitárias é um dos desafios que todas as sociedades do mundo enfrentam. Mas por que os legisladores utilizam tão pouco o Sistema de CTI da Cidade de São Paulo? O que os parlamentares da Câmara Municipal de São Paulo esperam como contribuição dos trabalhadores do conhecimento? Desejo que essas questões possam ser respondidas nos próximos dias.

Obrigado.

 

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