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A bióloga Patrícia Bianca Clissa, pesquisadora do Instituto Butantan, foi eleita presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) e, desde janeiro de 2022, está à frente da entidade que representa os pesquisadores e pesquisadoras dos 17 institutos públicos de pesquisa situados em território paulista. Na entrevista a seguir, concedida ao Portal da APqC, ela fala sobre o desmonte da pesquisa científica (em curso no estado e no país), a situação dos pesquisadores neste processo e os principais desafios a serem enfrentados pela Associação neste ano.

APqC – O desmonte dos institutos e a desvalorização dos pesquisadores científicos do Estado de São Paulo têm gerado grande preocupação. Você é pesquisadora do Instituto Butantan e assume a presidência da APqC em um contexto marcado por demandas históricas que se fazem mais urgentes do que nunca. O que significa ocupar este cargo neste momento?

Patrícia Bianca Clissa – O cargo de Presidente da APqC demanda muita energia, jogo de cintura e sensibilidade. Representar os interesses de uma classe que se encontra em um momento extremamente crítico, devido à desvalorização da ciência, é uma grande responsabilidade. Atender as expectativas dos associados nem sempre é possível, pois existe um limite até onde podemos avançar e o nosso limite sempre esbarra nas intenções do Governo, na forma como ele enxerga os institutos públicos de pesquisa e nos planos definidos em reuniões à portas fechadas, planos estes que nós só ficamos sabendo quando já estão traçados. Presenciamos nos últimos anos um desmonte jamais visto, chegamos ao ponto de perder instituições importantes, como os dois institutos que foram extintos (SUCEN e Instituto Florestal), e vimos com preocupação a fusão entre as atividades de pesquisa do Instituto Florestal com o Instituto Geológico e o Instituto de Botânica. Além disso, a ausência de concursos e a falta de perspectivas de reposição dos quadros, nos leva a vislumbrar um futuro cada vez mais desanimador.

Quais são os maiores desafios que a APqC terá pela frente na sua gestão? É possível ser otimista em relação ao desfecho das lutas que se avizinham?

Os maiores desafios serão reverter o processo de desmonte. Para isto estamos trabalhando para conseguir a valorização e salários competitivos com o mercado, tanto para os pesquisadores como para as demais classes que atuam diretamente com a pesquisa científica. O diálogo com as Secretarias tem sido muito produtivo, nós estamos conseguindo sensibilizar o poder executivo com as nossas demandas e estamos pleiteando um Projeto de Lei para a Reestruturação Remuneratória. Estamos otimistas de que teremos sucesso com relação ao desfecho, embora não seja nada para o curto prazo, por ser um ano eleitoral, acreditamos que dar inicio à este processo ainda este ano será muito importante.

Como você avalia o trabalho da APqC nestes primeiros meses? Dentre as ações que foram tomadas pela atual gestão, qual destacaria?

A ação de maior visibilidade que realizamos neste início de gestão foi organizar uma grande manifestação em frente ao Palácio dos Bandeirantes. Cerca de 250 pesquisadores de todo o estado se mobilizaram para solicitar ao governador João Doria a assinatura do Despacho Normativo, para que a lei 859/99 fosse cumprida em sua totalidade, garantindo a equiparação entre os pesquisadores e os docentes das universidades publicas paulistas. Foi um grande esforço organizar esta manifestação, que, apesar de não ter tido o desfecho que gostaríamos, foi importante para sensibilizar o poder executivo da situação crítica em que se encontram os Instituto de Pesquisa. Este evento também foi importante para reunir os Pesquisadores em torno de um objetivo, que é uma causa comum entre todos, melhorar as condições salariais. Apesar do Despacho Normativo não ter sido assinado pelo governador, eu atribuo a maior conquista ao fato de termos conseguido reunir os pesquisadores para esta manifestação. Nos mostramos que ainda somos fortes e que a união faz abrir portas que antes estavam trancadas.

A equiparação salarial é uma das principais reivindicações dos pesquisadores. Por que ela é importante e o que a atual diretoria tem feito para responder a esta demanda da categoria?

A questão da Equiparação dos Pesquisadores Científicos com os Docentes das Universidades Estaduais Paulistas é vista como uma grande injustiça com a nossa categoria, principalmente pelo fato de existir uma porcentagem considerável que recebeu o direito à equiparação judicialmente, ou seja, alguns juízes interpretaram as leis de modo a reconhecer a equivalência entre as carreiras e outros não. A criação da carreira de Pesquisador, em 1975, foi baseada na carreira dos docentes, tanto em termos de atribuições como em termos salariais, em uma época que havia muita perda de talentos para as universidades. Então foi criada a carreira justamente para reter estes talentos. Estamos vivendo novamente a mesma crise que ocorreu quando da criação da carreira, ou seja estamos perdendo muitos talentos, pois a remuneração dos cientistas está muito abaixo dos salários pagos em outras instituições de pesquisa, públicas ou privadas. Entretanto, esta questão especificamente da assinatura do Despacho Normativo já foi explorada à exaustão, tanto pela atual diretoria como pela gestão anterior e percebemos que foram esgotadas todas as possibilidades. Por isso estamos pleiteando agorta um novo Projeto de Lei para a reestruturação remuneratória.

A APqC mantém diálogo com os poderes executivo e legislativo? Como se dá a relação entre associação, governo e deputados?

Sim, nós temos tido uma presença marcante na ALESP, pois afinal, nada acontece sem passar por lá. Batemos em várias portas. Algumas se abrem mais facilmente, enquanto outras permanecem entreabertas e outras nem isso. Em épocas de votação de projetos importantes, como foi o projeto de correção salarial do governador João Dória, PLC 02/2022, nós fomos em vários Gabinetes para conseguir a inclusão de emendas que proporcionassem um reajuste de 20%, ao invés de 10%, o que consideramos uma justa solicitação, pois o papel de protagonismo atribuído aos Institutos de Pesquisa durante a pandemia de SARS-COV2 ocorreu devido aos esforços dos cientistas, Assistentes Técnicos e Pessoal de apoio. Portanto, saber que estávamos entre os servidores que não foram contemplados com os 20% de reajuste, só aumentou a nossa indignação e o nosso sentimento de que fomos usados de palanque eleitoral pelo ex-governador. Mas enfim, conseguimos a inclusão de emendas para os 20% de reajuste! Porém, na hora da votação, não foram aceitas. Isto é muito frustrante, pois está claro que a maioria dos nossos parlamentares e governantes não percebe a importância que a Ciência tem para o desenvolvimento do Estado. Mas continuamos insistindo, pois precisamos ser notados pelos deputados. Por isso é muito importante a mobilização e principalmente a consciência de nossos associados de que nada vai acontecer sem a participação de todos. O envolvimento de todos, principalmente dos pesquisadores mais jovens, que foram aprovados nos concursos de 2003 para cá, é fundamental para o sucesso de nossas reivindicações, ainda mais quando se trata de ALESP.

Parte considerável da população desconhece o trabalho e a importância dos pesquisadores, embora dependa deles em muitos aspectos, como ficou claro com a chegada da pandemia e a necessidade de se desenvolver uma vacina contra a covid. De que forma a APqC pode ou pretende ampliar a visibilidade das pesquisas realizadas nos institutos públicos de São Paulo?

Este é sem duvida um grande desafio para todas as diretorias. A comunicação com a sociedade sobre a importância das pesquisas desenvolvidas nos Institutos Públicos, de modo que a sociedade nos ajude a cobrar dos governantes e legisladores que o desmonte atual pare. Por isso estamos com projetos ambiciosos na parte de comunicação e esperamos poder implantá-los já no segundo semestre de 2022. Não será tarefa fácil, mas estamos decididos à enfrentar este desafio e contar com o apoio dos nossos associados nesta tarefa. Por isso a participação dos mais jovens é tão importante, pois a linguagem de redes sociais, muitas vezes, é compreendida de forma mais clara por estes. E estes, por sua vez, incentivam aqueles que são de outra geração a uma participação mais ativa. Vira um circulo virtuoso.

Por fim, deixe um recado aos pesquisadores. De que forma eles podem acompanhar as atividades e participar das ações da APqC?

Continuem acompanhando no site da APqC, nas redes sociais, ou nas reuniões mensais as atividades da associação de vocês. A APqC não existe sem a presença dos associados, portanto manter sempre o conhecimento do que a associação vem desenvolvendo é muito importante. Nossas atividades não são direcionadas somente para um assunto. Nós temos ações em várias frentes, pois são muitos incêndios para se apagar! Muitas vezes nós nos concentramos apenas no que acontece ao nosso entorno, porém estar consciente do que acontece com os demais institutos de uma forma geral, se preocupar com a desestruturação ou completo desmonte de alguns, demonstra maturidade de nossa parte, pois nada impede que algo semelhante aconteça com instituições que, apesar de serem seculares, não são tão sólidas como parecem.

Entrevista a Bruno Ribeiro, em 11 de maio de 2022

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