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Pesquisadores do Instituto Butantan desenvolveram o maior banco de dados de asas de mosquitos do mundo, denominado WingBank, com 14 mil imagens referentes a quase 80 espécies. A plataforma, atualizada constantemente, permite conhecer a variabilidade morfológica desses insetos e pode ajudar serviços de saúde na identificação, monitoramento e combate a vetores de doenças como o mosquito Aedes aegypti, que transmite dengue, Zika e chikungunya. Um artigo sobre o banco de dados, realizado em parceria com o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, foi publicado na revista Frontiers in Ecology And Evolution.

Atualmente, existem mais de 3.500 espécies de mosquitos descritas, e cerca de 200 são reconhecidas como vetores de patógenos que infectam humanos, incluindo vírus, vermes e protozoários. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essas doenças causam mais de 700 mil mortes por ano no mundo.

“O formato da asa é como a impressão digital do mosquito: é aquilo que reflete características genéticas únicas não só de uma espécie, mas de cada indivíduo. Podemos usar esse conhecimento para diferenciar populações de mosquito de uma mesma espécie e monitorar a movimentação desses insetos”, explica o coordenador do estudo e pesquisador do Laboratório de Parasitologia do Butantan, Lincoln Suesdek.

Quanto mais as asas diferem entre os indivíduos, maior a variabilidade genética daquele grupo de mosquitos – consequentemente, maior é sua capacidade evolutiva em relação a outras espécies. Uma população rica geneticamente é mais resistente, pois consegue se adaptar melhor e sobreviver a ameaças como predadores, inseticidas e mudanças climáticas. Isso significa que esse grupo de mosquitos pode ser mais preocupante para nós, humanos, em termos de transmissão de doenças.

De acordo com Lincoln, o Aedes aegypti é um grande desafio justamente porque sofre frequentes variações genéticas e consegue acionar genes resistentes a inseticidas a cada dois ou três anos. “São 4 bilhões de pessoas no mundo em risco de contrair doenças transmitidas por mosquitos. Para combatê-los, precisamos entender sua genética, e nós conseguimos fazer isso por meio da morfologia das asas, que é um método barato e eficiente”, aponta.

A análise das asas também pode ser útil para instituições que liberam mosquitos geneticamente modificados no ambiente com o objetivo de controlar doenças. Esses mosquitos, geralmente machos, entram na natureza para copular com as fêmeas, mas possuem alterações genéticas que impedem a reprodução.

“Essas empresas podem fazer um controle de qualidade dos mosquitos que produzem a partir dos dados da asa, que funciona como um indicador de nutrição de uma colônia – quanto melhor a alimentação dos insetos, maiores as asas. Assim, conseguem saber se os indivíduos modificados serão capazes de competir com os selvagens”, explica a primeira autora do artigo e curadora da Coleção Entomológica do Butantan, Flávia Virginio.

Inteligência artificial

Flávia e Lincoln também têm trabalhado, em parceria com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, no desenvolvimento de um software de identificação automatizada de mosquitos por meio da foto da asa, utilizando um sistema de inteligência artificial (IA). Em estudo publicado em 2015 na revista Acta Tropica, Lincoln e outros colaboradores conseguiram usar uma rede neural artificial para identificar espécies de mosquito com base no formato da asa. As espécies foram identificadas corretamente, com taxas de precisão variando de 85% a 100%.

“A estratégia tem funcionado bem em nível teórico e estamos dialogando com algumas instituições para estabelecer uma parceria e conseguir, futuramente, desenvolver uma ferramenta. Nossa ideia é que seja possível fazer essa identificação usando um aplicativo de celular, por exemplo”, diz Lincoln.

Um trabalho de 20 anos

Desde que ingressou no Butantan, em 2004, Lincoln trabalha com mosquitos transmissores de doenças e morfologia de asas, tendo registrado e colecionado imagens ao longo dos anos. Quando surgiu a ideia de organizar essas informações em um banco de dados relacional, em 2011, foi Flávia que assumiu o projeto. Na época, ela fazia doutorado no Butantan; hoje, segue atuando na instituição com curadoria de dados, imagens e espécimes.

Os dados estão disponíveis para pesquisadores de todo o mundo que estudam mosquitos, para profissionais de serviços de saúde que trabalham com monitoramento de insetos e até mesmo para a população geral. “Temos cerca de 2 mil imagens que já foram utilizadas em publicações científicas e estão livres para download para quem se interessar. A outra parte, por enquanto, deve ser solicitada via e-mail”, explica Lincoln.

O WingBank já foi utilizado por instituições de pesquisa do Brasil, Estados Unidos, China, Índia e Hungria.

Flávia explica que as lâminas que contêm as asas estão depositadas fisicamente na Coleção Entomológica do Butantan e também podem ser acessadas por cientistas. Além de ter atuado na construção do banco de dados, ela foi responsável por organizar e padronizar as amostras.

O estudo teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Fundação Butantan.

Fonte: I. Butantan

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