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Um recorte da cobertura vacinal do estado de São Paulo e do Brasil apontou uma série de problemas estruturais que explicam a hesitação vacinal no país. A Pesquisa Nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros, Projeto ImunizaSUS, feito pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) junto à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ao Ministério da Saúde, levantou os principais problemas na vacinação de 5.000 municípios de São Paulo, com dados de 2021.

Ao menos 68,3% dos municípios paulistas apontaram o atraso no recebimento de vacinas como um problema frequente, e 76,7% dos municípios brasileiros refletem o mesmo obstáculo. Os dados foram divulgados pelo Conasems no 5º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância, promovido pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, e sediado no Instituto Butantan.

Outro problema recorrente que impacta na cobertura vacinal foi a irregularidade no recebimento das vacinas, presente em 50,3% dos municípios paulistas e 60,4% dos brasileiros; assim como problemas no quantitativo de vacinas em 63,4% em São Paulo e 70,8% em todo o país.

Problemas no armazenamento de vacinas também se mostraram recorrentes. Em 40,3% nos municípios paulistas e em 53,8% dos municípios brasileiros foram relatadas dificuldades no armazenamento de vacinas no nível central.

Já problemas no armazenamento de vacinas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) foram apontados em 62,3% das cidades paulistas e 67,3% no país, assim como uma rede de frio inadequada consta em 49,4% dos municípios paulistas e em 55,7% do Brasil.

“Essa pesquisa mostrou que temos problemas de atraso para receber vacinas e no quantitativo de doses recebidas. É um desafio que tem que ser enfrentado entre os municípios onde a vacinação acontece, mas que não deve ser feito sozinho. Tem que haver um trabalho coordenado com as secretarias municipais e estaduais de saúde junto ao Ministério da Saúde”, disse Brigina Kemp, da Comissão Permanente de Assessoramento e Imunização do estado de são Paulo, e do Grupo de Vigilância em Saúde do Conasems, que apresentou os dados da pesquisa.

A perda de doses é um outro gargalo que atinge 50,2% dos municípios paulistas e 53,7% dos brasileiros, com as principais causas envolvendo o vencimento (57,9% em São Paulo e 46,1% no Brasil); problemas na rede de frio (24,5% em São Paulo e 11,1% no Brasil); não utilização completa das doses de frascos abertos (52,4% em São Paulo e 61,8% no Brasil) e falta de demanda para vacina (13,2% em São Paulo e 21,6% no Brasil).

“Quando aparece uma criança para tomar uma vacina e eu tenho um frasco, devo abrir e perder doses? Óbvio que vou vacinar a criança. Mas surge o dilema para o gestor porque o Tribunal de Contas pergunta por que há desperdício de doses? É importante dizer que o Conasems tem um diálogo muito bom com o tribunal que reconhece que é melhor que não se perca a criança. É um problema que estamos enfrentando, mas que já estamos avançados”, ressaltou Brigina.

Problemas na aplicação e no registro de doses

A pesquisa demonstra também uma série de problemas na aplicação das vacinas. O mais recorrente refere-se à sobrecarga de trabalho da equipe de enfermagem, presente em pouco mais de 80% dos municípios paulistas e brasileiros.

A falta de pessoal para aplicação das doses chega a 66% e 67% dos municípios em São Paulo e no Brasil, respectivamente, o que reflete nos problemas de alta rotatividade de profissionais da equipe de sala de vacina em 56% dos territórios. A estrutura inadequada para atender a população foi apontada como um problema em 45,3% dos municípios paulistas e em 51% dos brasileiros.

Foi levantado ainda uma série de problemas no registro de vacinas, sendo o mais recorrente a internet instável (63,9% dos municípios paulistas e 73,4% dos brasileiros); dificuldade de acompanhamento do controle vacinal dos usuários (63,9%% dos municípios paulistas e 72% dos brasileiros); registro feito manualmente para posterior lançamento no sistema do Programa Nacional de Imunizações (PNI) (54,5% dos municípios paulistas e 71,4% dos brasileiros); dificuldade de monitorar o alcance das metas de vacinação locais (65,3% dos municípios paulistas e 69,6% dos brasileiros).

“Temos muitos problemas, mas também muitas potências e temos que utilizá-las. É fundamental um trabalho integrado para aumentar a cobertura na atenção básica. E para isso precisamos fazer um trabalho cooperado e de educação que envolva órgãos de controle, universidades, pesquisadores, sociedades científicas, laboratórios produtores de vacinas, setores de comunicação e outros segmentos da sociedade. Se não fizermos isso, não vamos conseguir recuperar as coberturas vacinais do país”, concluiu Brigina.

Políticas que deram certo

A cidade de Baturité (CE) é um case de sucesso na retomada da cobertura vacinal no Brasil. Em 2021, o município de 33 mil habitantes tinha uma média de cobertura vacinal entre crianças de até um ano de 37%, muito abaixo da meta de 90% do PNI.

“Tínhamos a pior cobertura de vacinas de rotina de todo o estado do Ceará e todos os indicadores de saúde no vermelho. A alimentação do sistema informativo estava prejudicada, e as normas e rotinas das salas de vacinas inadequadas. Não havia planejamento e monitoramento e faltava treinamento e atualização nas salas de vacina”, detalhou o coordenador de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde de Baturité, Micael Pereira Nobre.

A história da vacinação da cidade começou a mudar em 2022, quando foram implementados planejamentos e metas, além de treinamentos das coordenações de saúde. Mas o que fez toda a diferença foi o projeto piloto de Busca Ativa Vacinal (BAV), feito com plataforma do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que cadastra equipes para treinamentos com profissionais e cria ações que garantam a vacinação para quem precisa.

“Tivemos a oportunidade de fazer um trabalho intersetorial de saúde, de educação e assistência social, além de qualificação da visita domiciliar na busca dos faltosos. Nestas ações pudemos falar com a população sobre a importância da vacinação”, disse Micael.

O projeto de Baturité se destacou também pela inovação. A BAV passou a divulgar postos de vacinação na rádio local; um carro foi utilizado para imunização volante e até mesmo em salas de velório, onde se reuniam muitas pessoas, havia vacinadores a postos.

“Conquistamos uma cobertura vacinal acima de 97% em menores de um ano; 97% da população cadastrada no e-SUS, a informatização de todas as UBSs; e a certeza de que não teremos o recrudescimento de doenças imunopreviníveis e equipes satisfeitas com os resultados dos indicadores”, concluiu Micael.

Outro exemplo de estratégia bem-sucedida foi o projeto “Planos municipais pela reconquista das altas coberturas vacinais a partir do acompanhamento dos dados e sistemas de informação e ações de comunicação e educação (PCRV)”, focado em educação e capacitação, e realizado nos estados do Amapá e Paraíba pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o PNI e a Socidade Brasileira de Imunizações (SBIm).

O projeto consistiu na criação de oito passos focados em estudos, informações, mobilizações, capacitação, formação de redes de apoio e ações estruturantes, ações de comunicação e de monitoramento, articuladas com estados e municípios ao longo dos últimos dois anos. Ele resultou na capacitação de mais de 300 multiplicadores e de 3.500 profissionais de saúde das áreas de saúde e educação.

Entre os projetos educacionais, se destacaram os Jovens atores indígenas e o Jovens repórteres da Paraíba; o primeiro um grupo de teatro indígena no Amapá e o segundo uma rede de multiplicadores da ciência entre jovens de periferias. Entre os espetáculos encenados, um deles foi “O SUS e o susto do Jacaré”, que abordava a importância da vacinação e os perigos da desinformação.

“Fizemos uma parceria com a Central Única das Favelas da Paraíba, que ajudou a formar 29 jovens repórteres. No Amapá, a iniciativa deu origem à companhia de teatro Maiuhi, com 30 jovens atores dos povos Karipuna, Galibi-Marworno, Palikur-Arukwayene e Waiãpi”, disse a gerente do departamento de Assuntos Médicos, Estudos Clínicos e Vigilância pós-registro de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Maria de Lourdes Maia.

A rede ainda trabalha no Censo Vacinal, uma ação mensal de identificação nominal de crianças menores de 2 anos com objetivo de busca de faltosos.

“O nosso objetivo é apoiar o PNI a alcançar novamente as altas coberturas, por isso escolhemos os dois estados que já tínhamos trabalhos ancorados nas universidades e pelas secretarias estaduais, todos com baixas coberturas vacinais. Precisamos reconquistar as coberturas vacinais porque somos o país que sabe vacinar”, reforçou Maria de Lourdes.

Fonte: Instituto Butantan

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