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A ecóloga Helena Dutra Lutgens, mestre em conservação e manejo de recursos naturais e doutora em Ecologia e Recursos Naturais, assume este ano a presidência da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC). Eleita em novembro de 2023 para comandar a entidade a partir de janeiro de 2024, a pesquisadora tem sido referência quando o assunto é militância ambiental.

Recentemente condecorada com a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo – maior honraria oferecida pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) – Helena Dutra iniciou sua trajetória em 1988, ainda como estagiária no Instituto Florestal (IF). Nesta renomada instituição científica, extinta em 2020 pelo então governador João Doria, desenvolveu toda a sua carreira e se tornou peça fundamental na defesa do Sistema Ambiental Paulista.

Como vice-presidente da APqC, cargo que exerceu até 2023, Helena Dutra atuou para tentar reverter a extinção dos institutos que foram rifados pelo Governo do Estado de São Paulo e a concessão de áreas de preservação ambiental à iniciativa privada. Ao Portal da APqC, a pesquisadora e nova presidente da entidade, falou sobre as suas expectativas para o ano que se inicia.

APqC – O desmonte dos institutos e a desvalorização dos pesquisadores científicos do Estado de São Paulo têm gerado grande preocupação da categoria. Você assumirá a presidência da APqC em um contexto marcado por demandas históricas que se fazem mais urgentes do que nunca. O que significa ocupar este cargo neste momento?

É um grande desafio. A responsabilidade é muito grande, pois o desmonte da ciência tem avançado a passos largos no Estado de São Paulo. Questões sociais e ambientais estão em acentuado retrocesso. A cada novo governo, os pesquisadores têm perdido mais direitos, assim como os demais servidores públicos. A sociedade é a mais prejudicada, embora, muitas vezes, não se aperceba desse fato. É o principal problema a ser enfrentado, mas só teremos a chance de continuar resistindo e ganhando força política se a categoria se unir. É fundamental que mais pesquisadores venham lutar ao nosso lado, que se associem à APqC e participem das nossas atividades. Disso vai depender melhores condições de trabalho, melhorias salariais e inclusive a continuidade da carreira, que está bastante ameaçada. Ampliar a participação da categoria será uma das metas da minha gestão.

É possível ser otimista em relação ao desfecho das lutas que estão em curso e das que virão pela frente?

Não sou exatamente uma Pollyana, mas o otimismo é uma característica minha. Acho que a gente sempre tem que acreditar que é possível, do contrário não faz sentido lutar. O maior desafio é exatamente o que eu disse na pergunta anterior: ampliar nossa capacidade de mobilização, nos unirmos com as demais categorias de servidores e ampliar consciência de classe, ou seja, termos a clareza de que somos apenas mais uma classe de trabalhadores. Se todos tivermos a consciência de que não fazemos parte de uma categoria especial, mas que somos assalariados e dependemos de salário para viver, então a APqC terá mais força política para negociar as demandas da categoria. É possível avançar, mas não depende somente de nós.

Você é uma pesquisadora especialista da área ambiental, uma das mais afetadas pelo processo de desmonte da ciência paulista. Quais são as questões que mais a preocupam no setor e que ações os pesquisadores e a sociedade em geral podem ou devem esperar da Associação para minimizar o impacto?

Realmente, a área ambiental foi uma das mais afetadas nos últimos anos. Falo como alguém que está dentro do furacão, pois o instituto em que eu trabalhava – o Instituto Florestal – foi extinto junto com os outros dois institutos de pesquisa em matéria ambiental. O fechamento dessas instituições científicas se deu entre 2020 e 2021 afetando diretamente o desenvolvimento da pesquisa e da conservação ambiental no Estado de São Paulo. Não se constrói uma nova instituição sobre os escombros de instituições sérias, vivas, produtivas, que fazem parte da história da pesquisa e do desenvolvimento do Estado de São Paulo. A total ausência de planejamento, a falta de participação social, inclusive da comunidade científica, e, especialmente, a total ausência lógica de justificativa para se extinguir essas instituições, comprometeu duramente a construção de algo que pudesse substituí-las na produção científica, na conservação ambiental e na defesa dos interesses sociais. De fato, a questão ambiental é premente. Veja o avanço das concessões de áreas protegidas – concessões que, na verdade, não passam de privatizações, uma vez que o governo está permitindo que territórios grandes, dentro das unidades de conservação, sejam ocupados por períodos longos, sem contrapartida social ou controle por parte dos institutos responsáveis por eles. Não há fiscalização sobre o uso dessas áreas também, o que coloca em risco acervos naturais utilizados pelos pesquisadores. Quem vai fiscalizar se essa concessionária está fazendo o devido manejo e promovendo a conservação ambiental se o quadro de funcionários é cada vez menor e se não há nenhuma perspectiva de realização de concurso público no momento? O patrimônio ambiental de São Paulo está em risco e a APqC seguirá lutando por ele.

Você foi vice-presidente da APqC na gestão anterior e assume agora como presidente. Como avalia o trabalho da entidade até o momento e o que pretende fazer para avançar ainda mais nas lutas em curso?

A APqC, nesse período marcado pela extinção dos institutos Florestal, de Botânica e Geológico e da SUCEN, esteve firme na luta.  A Associação tem sido o principal ponto de apoio aos pesquisadores, e demais funcionários dessas instituições. Não podemos esquecer que, embora não tenhamos conseguido o nosso intento ainda, lutamos de maneira muito aguerrida pela questão salarial, nas diferentes esferas (executivo, legislativo e judiciário) e pela abertura de concursos. Nós levamos a situação para a imprensa e para a tribuna da Alesp, participamos de atos com a sociedade civil organizada, integramos comissões parlamentares, sentamos à mesa com deputados e com o governo, lançamos um livro com o diagnóstico do desmonte da pesquisa ambiental e suas consequências… então, temos sido bem firmes nessa gestão que está sendo concluída e seguiremos com a mesma firmeza na gestão que começa em breve. Um dos nossos principais objetivos, na área do meio ambiente, é recriar os institutos que foram extintos. A luta será árdua, mas acredito que sairemos vitoriosos.

A APqC mantém diálogo permanente com os poderes executivo e legislativo, mesmo enfrentando as dificuldades impostas por um governo e um parlamento conservadores. Quais são as ações políticas que a Associação tem tomado em prol da categoria?

Já citei na pergunta anterior várias ações que temos tomado para tentar reverter o desmonte da pesquisa no Estado de São Paulo. Daremos continuidades à essas ações, com a disposição renovada. Acho que o grande desafio que temos pela frente será a manutenção da pesquisa pública de qualidade, voltada para os interesses da sociedade e não de governos. Falo isso sempre. Até porque não estou lutando por interesse próprio. O Instituto Florestal, onde fiz toda a minha carreira profissional, foi extinto; mas não é por isso que luto para reverter a situação. Luto porque se trata de uma instituição essencial à pesquisa pública, aquela que atende as demandas da população. Quando o autoritarismo destrói instituições que fazem pesquisa pública de excelência, quem perde mais é a sociedade. Combater a usurpação do patrimônio público, seja ele o ambiental, o físico, o científico, o cultural, é um dever da APqC. Os institutos de pesquisa pertencem ao povo paulista e ninguém pode usurpar esses patrimônios.

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