greening

Um inseto voador de alguns milímetros parecido com uma cigarrinha ameaça a citricultura brasileira concentrada nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. O psilídeo, nome da mosquinha, transmite a bactéria do greening, doença sem cura que afeta todas as plantas cítricas, especialmente a laranja. Ao menos 61 milhões de citros afetados já foram arancados. Graças a São Paulo, que tem 77% dos laranjais brasileiros, o Brasil é o maior produtor mundial de laranja e também o principal exportador do suco.

O governo paulista criou até um disque-denúncia para combater a praga, que já atinge 38,6% dos pomares do Estado. O canal pode ser usado para apontar pomares de citros abandonados ou mal cuidados, possibilitando o deslocamento de uma equipe de vistoria ao local. Só no mês de novembro, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado retirou de circulação mais de 9 mil mudas não certificadas que estavam sendo vendidas irregularmente.

O suco de laranja é um dos principais produtos agrícolas exportados pelo País. Na safra 2022/23, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal, o Brasil exportou 1,09 milhão de toneladas de suco de laranja e obteve receita de US$ 2,21 bilhões (R$ 10,9 bilhões).

Apenas no parque citrícola de São Paulo e Minas, são 167 milhões de plantas em produção em 347 municípios e 9.845 propriedades rurais, segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). São 400 mil hectares de pomares, empregando 200 mil pessoas e produzindo mais de 300 milhões de caixas de 40 quilos de laranja por ano.

Desde 2004, quando foi identificada em laranjais da região de Araraquara, no interior paulista, a mosquinha de origem asiática só avançou. De 2005 a 2021, mais de 61 milhões de citros – laranja, limão e tangerina – que ocupavam 220 mil hectares foram arrancados com tratores devido à alta infestação de greening. Atualmente, 22,3% do parque citrícola de São Paulo e Minas, equivalentes a 43 milhões de árvores, estão com a doença.

Os pomares mais afetados estão nas regiões de Limeira, Brotas, Porto Ferreira, Duartina e Avaré, no interior de São Paulo. Em Limeira, 61,5% das plantas estão acometidas de forma severa. “A perda de plantas afetadas pelo greening é de no mínimo 30% do pomar. Pomares com greening, mas controlados, não representam perigo, mas os abandonados viram criadouros e comprometem a sanidade do setor”, disse o produtor Filipe Cunha, da Fazenda Santa Ignácio, em Brotas. Segundo ele, as medidas de controle, quando bem feitas, reduzem a intensidade da infestação.

Efeitos do greening em SP/MG

  • 43 milhões de plantas infectadas;
  • 22,4% das plantas contaminadas;
  • 61,1 milhões de citros arrancados;
  • 220 mil hectares de pomares erradicados;
  • R$ 600 milhões de perdas por ano.

Fonte: Fundecitrus

O impacto da praga levou o governo de São Paulo a criar por decreto, em novembro deste ano, um comitê para propor políticas públicas e procedimentos para controle da doença. O colegiado é composto por representantes das secretarias de Agricultura e Abastecimento; de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística; da Casa Civil; da Fazenda e Planejamento, e de Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre as atribuições está a articulação entre o poder público e representantes das cadeias produtivas para disseminar práticas de prevenção e controle da doença.

A legislação estabelece medidas para coibir, por exemplo, o comércio ambulante de mudas em São Paulo. A Coordenadoria de Defesa Agropecuária conduz trabalhos de educação sanitária nas regiões afetadas. “Há um alto índice de desenvolvimento do greening principalmente em pomares abandonados e caseiros. Um pé de laranja infectado no fundo do quintal é um foco de contaminação para outros pomares, principalmente os comerciais”, disse o engenheiro agrônomo, José Carlos de Faria Junior, da Secretaria da Agricultura e Abastecimento.

O Fundecitrus, associação privada mantida por citricultores e indústrias de suco do Estado de São Paulo, trabalha há anos no testes com projetos de nutrição e novas variedades para aumentar a resistência dos citros ao greening, também conhecido pela sigla HLB (Huanglongbing). De acordo com o engenheiro agrônomo Renato Bassanezi, o controle pode ser feito por meio do rodízio de defensivos, para evitar o problema de resistência, e a erradicação de plantas com até oito anos infectadas pela bactéria.

Segundo ele, houve falha na rotação dos inseticidas usados para o controle do psilídeo. “Os produtores usavam os dois grupos de ingredientes com pouca rotação, o que levou à seleção de populações resistentes às duas principais moléculas (piretroides e neonicotinoides) utilizadas na citricultura.” Ele disse que o clima quente e úmido favoreceu as brotações nos laranjais, locais da planta em que o inseto se alimenta e se reproduz. Muitos citricultores confiaram apenas nas pulverizações e deixaram de erradicar as plantas infestadas, segundo ele.

A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (ApqC) apontou a falta de cientistas para atuar no desenvolvimento de plantas resistentes e práticas de controle do greening. Segundo a entidade, só na área agrícola faltam ao menos 200 pesquisadores. Segundo o governo estadual, em julho, a pasta da Agricultura abriu concurso público de provas e títulos para o preenchimento de 37 vagas de pesquisador científico em 30 áreas de especialização da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta).

Polo citrícola em SP e MG em números

  • 167 milhões de plantas cítricas;
  • 341 municípios produtores;
  • 9,8 mil de propriedades rurais;
  • 400 mil hectares de pomares;
  • 12 milhões de toneladas de laranja/ano.

Fonte: Fundecitrus

O greening ataca todos os tipos de citros e não há cura para as plantas doentes. No Brasil, a doença é causada pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, transmitida pelo psilídeo (Diaphorina citri), o inseto parecido com uma cigarrinha.

O primeiro sintoma é o surgimento de folhas amareladas, com manchas irregulares. As laranjas não amadurecem completamente, ficam com coloração verde clara, manchada, e não crescem, acabando por cair do pé precocemente. Apesar de ser causada por uma bactéria, a doença não é transmitida para as pessoas.

Um estudo da Faculdade de Agronomia da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/Usp), em parceria com a Fundecitrus, mostrou que o inseto está resistente a dois dos grupos de inseticidas mais usados nos pomares, os piretróides e os neonicotinoides.

Para reduzir a resistência, os especialistas recomendam suspender por 90 dias o uso de inseticidas que perderam a eficiência e fazer um revezamento com outros defensivos. Laboratórios públicos e privados de São Paulo buscam medidas mais eficientes de controlar o greening. Uma das pesquisas da Esalq envolve o controle biológico, com o uso de uma vespa que é predadora do psilídeo.

Equipes do Fundecitrus em parceria com a pasta estadual da Agricultura percorrem as cidades do cinturão citrícola para se reunir com os produtores. Na quarta-feira, 13, o encontro foi em Altair, interior de São Paulo.

“Por ter baixa incidência de greening, Altair tem sido uma área de renovação de plantios e expansão da citricultura. No entanto, o município está dentro da região de São José do Rio Preto, que tinha 14,5% de incidência em 2022 e hoje está com 20,5%. Os produtores precisam monitorar os pomares constantemente”, disse o engenheiro agrônomo Sérgio Nascimento, do Fundecitrus.

O citricultor José Henrique de Paula, de Tabatinga, na região centro-norte do Estado de São Paulo, segue à risca as orientações de manejo contra o greening para conseguir uma boa produtividade e cobrir os custos adicionais com o controle da praga.

“O greening trouxe muito prejuízo e elevou o custo da citricultura. Cortamos muitas plantas na propriedade para controlar a infestação e estamos investindo cada vez mais em máquinas para atender esses cortes de plantas em estágio muito alto de infestação e nas pulverizações. A produtividade é boa porque a gente investe em tratos e manejos e no adensamento do pomar”, disse.

Adensar é ter mais plantas por hectare para que fiquem menos espaços vazios quando é preciso cortar laranjeiras infestadas. “Isso é custo. No manejo de corte de plantas doentes, têm mão de obra, máquinas e você perde o investimento que fez na planta. Além disso, a gente tem menos produção naquela área. Mais plantas por hectare significa mais necessidade de água e, portanto, mais custo. É o que está acontecendo na citricultura em geral”, observou.

Ele conta que é difícil calcular o tamanho do prejuízo. “É proporcional à quantidade de plantas que você precisa cortar, se é 5% ou 10% do pomar. Se o pomar está em fase de produção e aparece o greening, o prejuízo é maior. Tem pomar que o pessoal plantou e no segundo ou terceiro ano já estava condenado. No meu manejo, estou conseguindo sobreviver, mas estou pulverizando muito para não deixar o psilídeo do vizinho vir procriar no meu pomar. A gente acaba gastando muito e só cobre o custo de produção porque estamos fazendo tudo certinho para tentar ficar no mercado.”

José Henrique já constatou que alguns inseticidas à base de piretróide e neonicotinoides já não têm a mesma eficácia contra o psilídeo e faz a alternância com outros produtos que ainda não geraram resistência. Além de manter armadilhas no pomar para calcular a quantidade de insetos, o citricultor tem seu próprio inspetor de praga para ter mais certeza na hora de fazer a pulverização.

Ele defende que a Secretaria estadual visite as propriedades e, além de orientar o produtor, penalize os que não adotam práticas mínimas de controle do greening. “Se cinco fazem certo e três fazem errado, ninguém tem sucesso”, disse.

Drones no combate ao psilídeo

Equipamento já usado em outras atividades agrícolas, o drone está sendo empregado também no combate ao psilídeo. Com a aeronave, é possível direcionar a pulverização para os talhões e até para as plantas mais infestadas.

O drone também pode fazer a pulverização nos limites da propriedade e em áreas que os pulverizadores acoplados ao trator não alcançam, inclusive em terrenos mais inclinados. A aeronave vem equipada com um tanque, onde são armazenados os insumos, e bicos de pulverização.

A Embrapa Citricultura desenvolveu, com a iniciativa privada, um par de óculos com tecnologia para auxiliar a inspeção visual em pomares para detecção do greening. O equipamento possui um filtro de luz incorporado às lentes, criando um efeito visual que intensifica o contraste entre as cores verde e amarela, características da doença, possibilitando a identificação mais precisa dos sintomas nas folhas frutos. Os raios ultravioletas são bloqueados, possibilitando ao usuário proteção contra a luz do sol durante a atividade.

Além de São Paulo e Minas, a doença começa a afetar outros Estados. O greening já atingiu os laranjais do Paraná, que tem 29 mil hectares cultivados com citros produzindo cerca de 26 milhões de caixas. A Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) e a Câmara Técnica de Combate ao HBL elaboraram um plano de ação na tentativa de conter o avanço, incluindo o acompanhamento técnico dos pomares, controle do vetor, levantamento da incidência da praga e eliminação de plantas doentes.

O plano inclui ainda a proibição do comércio irregular de mudas cítricas. Produtores relatam que a praga avançou rapidamente nos últimos 12 meses.

Em Mato Grosso do Sul, o greening apareceu em pomares do sudeste do Estado em 2019. Em novembro deste ano, o governo estadual definiu que todos os produtores de citros com mais de 30 plantas são obrigados a se cadastrarem no Iagro, a agência de defesa sanitária animal e vegetal do Estado. Também precisam comprovar que controlam o inseto vetor, produzindo relatórios semestrais.

Devido à baixa incidência da praga no Estado, muitos produtores paulistas expandiram seus cultivos para a região, o que levou o Iagro a fazer parceria técnica com o Fundecitrus para o combate à praga.

Também foram confirmados os primeiros casos de greening em Santa Catarina, em levantamento anual realizado pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola (Cidasc). Plantas doentes foram encontradas nos municípios de Xanxerê, Abelardo Luz e São Domingos.

A hipótese é de que a doença tenha chegado por meio de mudas contaminadas, oriundas de comércio clandestino. Outros Estados, como Bahia, Goiás e Mato Grosso, criaram barreiras sanitárias e as chamadas ‘rotas sentinelas’ -linhas de coletas de amostras para detecção da bactéria – na tentativa de evitar a entrada da doença.

Detectado em pomares de 129 países

No mundo, o greening já foi detectado em pomares de citros de 129 países. A infestação mais devastadora aconteceu em laranjais da Flórida, nos Estados Unidos. Em 2005, a produção de citros caiu 75%. O número de produtores de laranja vem se reduzindo desde o início deste século. Atualmente, os 122 mil hectares correspondem à metade da área cultivada em 2000, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Já o número de produtores caiu 62% de 2002 a 2017.

Fonte: Estadão
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