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A bióloga Patrícia Bianca Clissa, pesquisadora do Instituto Butantan, conclui seu mandato como presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) em dezembro de 2023. Durante os dois anos em que esteve à frente da entidade, não poupou esforços no combate ao avanço do processo de desmonte da pesquisa pública e dos institutos científicos.

Clissa será sucedida na presidência pela ecóloga Helena Dutra Lutgens, mas permanecerá integrando a Associação como 1ª Secretária. Ao Portal da APqC, a pesquisadora falou sobre a marca de sua gestão, destacou as principais ações realizadas e comentou sobre os desafios que a categoria terá de enfrentar no ano que se avizinha. Leia a entrevista na íntegra.

APqC – Você entregará uma associação combativa e presente nas lutas cotidianas da categoria. Qual a avaliação que pode ser feita de sua gestão?

Patrícia Bianca Clissa – A APqC sempre foi muito combativa, independente da diretoria e do presidente de ocasião. A associação sempre cumpriu o papel de representar a categoria junto ao poder público e esteve presente nos melhores momentos e nas piores crises. O que venho fazendo no meu mandato é dar continuidade e aprofundar um trabalho político que já vinha sendo desenvolvido pelas diretorias que me precederam. De alguma forma, conseguimos ampliar a nossa interlocução com o poder legislativo e pautar discussões importantes, que antes não chegavam ao parlamento, ou que demoravam mais a chegar. Sempre tive a consciência de que estar à frente da Associação dos Pesquisadores é apagar um incêndio após o outro, pois são muitos os desafios que todos os institutos enfrentam. Acho que transmitimos nosso recado ao Executivo: somos poucos, mas não somos fracos. E vamos continuar ampliando a luta no ano que vem, agora sob a presidência da Helena Dutra.

Quais foram as principais lutas encampadas pela APqC durante o seu mandato e onde foi possível avançar, mesmo que com os limites impostos pela atual conjuntura?

Assumi a presidência da APqC em janeiro de 2022, em um ano com acirradas campanhas eleitorais para o governo do estado de São Paulo. No meu primeiro ano de mandato a APqC manteve um diálogo com a Secretaria de Governo, com o Secretário Marcos Penido, porém as nossas demandas não foram atendidas.  Já em 2023, com a saída do PSDB do comando do estado por mais de 20 anos e a chegada do novo Governador, Tarcísio Gomes de Freitas, de um partido diferente, o Republicanos, houve a quebra daquela interlocução e tivemos que iniciar tudo novamente. Sempre procuramos abrir o diálogo com o Executivo, falamos com todos os Secretários de Estado ou Sub-Secretários, além de vários deputados da base governista, enfim, foi necessário dedicar um tempo para que eles conhecessem nossas demandas e entendessem que teriam de se sentar à mesa com a gente. É por isso que o início do mandato teve avanços muito sutis, porque estávamos dedicados a refazer o trabalho político que foi interrompido com a mudança de governo. Mesmo assim, conseguimos que uma demanda histórica fosse atendida: a abertura de concurso público para a Secretaria da Agricultura, que comporta institutos importantes, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). É verdade que as 37 vagas oferecidas são poucas diante da necessidade atual de quadros técnicos, mas não deixa de ser uma conquista da categoria.

Você assumiu a presidência da APqC no auge de um processo de desmonte da pesquisa pública tocado por um governo e um legislativo conservadores. No entanto, conforme já dito, conseguiu bom trânsito no parlamento e fez avançar algumas pautas da categoria. Como a Associação trabalhou politicamente nos últimos anos?  

O processo de desmonte não vem de hoje, está em curso faz tempo. Mas é fato que a situação está cada vez pior e ainda pode piorar mais. Por isso, dialogar com o poder Executivo e com o Legislativo é fundamental. É uma forma de tentar interromper o ciclo da precarização da ciência. Nós temos pautado a Alesp, participado de comissões, audiências públicas e fóruns voltados para causas que dizem respeito direto aos Institutos de Pesquisa, e temos mantido diálogo frequente com deputados da oposição e também com governistas. Hoje temos uma assessoria política e ampliamos nossa comunicação com a sociedade. Estamos furando a bolha acadêmica e levando nossas demandas para a grande mídia. Essa exposição tem resultado não apenas em visibilidade e apoio, mas em força política. Continuaremos lutando pelo justo.

Mesmo não sendo mais a presidente, você fará parte da diretoria da próxima gestão. Quais são os maiores desafios que a APqC terá nos próximos anos e como enfrentá-los?

Os desafios serão os mesmos que tivemos ontem e temos hoje, só que cada vez mais urgentes. Desde o déficit salarial, que tem provocado a evasão de muitos pesquisadores até a extinção de instituições e autarquias importantes, como o Instituto Florestal e a Sucen. Isso sem falar na falta de pessoal nos institutos, que já tem comprometido o desenvolvimento e a continuidade de pesquisas. Hoje temos 8 mil cargos vagos e 2 mil preenchidos. Isso considerando todas as carreiras que se dedicam à pesquisa científica, incluindo cargos de apoio e assistentes. Somados, os 16 institutos públicos do Estado de São Paulo, temos apenas 2 mil servidores – o que é um número muito aquém do ideal. O desmonte continua a todo vapor e nosso maior desafio é interromper esse processo.

Pessoalmente, o que significa ser presidente da Associação que representa a sua categoria? Que lições é possível tirar dessa experiência e quais são os atributos que um pesquisador ou pesquisadora deve ter para assumir tal responsabilidade?

Acho que o principal atributo é ser uma pessoa que não pense apenas em si própria, mas que tenha em mente o que significa representar o coletivo. É preciso atuar com a mente voltada para o bem comum, porque o cargo exige que você disponha de muito tempo e energia . Tem de haver um desprendimento, sem dúvida. Mas quero deixar claro que nunca fui presidente sozinha; sempre contei com o apoio incondicional das duas vice-presidentes (Addolorata Colariccio e Helena Dutra Lutgens), do Sérgio (Tesoureiro e da Roseli, além do apoio da nossa secretária, a Domenica. Esta rede de apoio foi fundamental na minha gestão. Nunca considerei ter alguma importância individual, pois dividimos as responsabilidades e trabalhamos literalmente em equipe. Com certeza a próxima diretoria irá trabalhar com essa mesma mentalidade agregadora.

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