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Addolorata Colariccio, ou Dora, como prefere ser chamada, ingressou como estagiária no Instituto Biológico em 1977 e, em pouco tempo, tornou-se pesquisadora científica. Foi membro da área de Patologia e Parasitologia Vegetal, eleita pelos pesquisadores na Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) e participou ativamente da Comissão que instituiu a criação do Programa de Pós-Graduação em “Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio”, no Instituto Biológico, em 2007.

Nesta entrevista ao Portal da APqC, a 1ª vice-presidente da APqC lamenta o desmonte da pesquisa científica no Estado de São Paulo, expõe os principais problemas enfrentados pelos Institutos de Pesquisa vinculados à Secretaria de Agricultura e Abastecimento e comenta sobre as ações tomadas pela APqC para tentar frear o avanço do prejuízo.

APqC – O último período foi particularmente desafiador para os pesquisadores com o aprofundamento do desmonte da pesquisa científica no Estado de São Paulo. Na área da agricultura, quais foram os principais retrocessos? 

Addolorata Colariccio – Não tem sido nada fácil a jornada conduzida pela Associação dos Pesquisadores Científicos de São Paulo (APqC), na luta pelo fortalecimento dos Institutos de Pesquisa e da carreira de Pesquisador Científico. Os Institutos Públicos de Pesquisa têm enfrentado um período, muito desafiador. Os governos que se sucederam no Estado negligenciaram, de forma sistemática, a reposição do quadro funcional nos Institutos, pela não realização de concursos por períodos que atingiram a marca dos vinte anos, causando graves retrocessos. Nos Institutos de pesquisa vinculados à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, houve dramática redução do quadro de pesquisadores, por falta de concursos periódicos, aposentadorias e mortes, causando a perda de linhas de pesquisa, a desativação de laboratórios e a perda de atividades que deixaram de ser executadas pela ausência de funcionários.  Ao mesmo tempo em que houve a diminuição do quadro de funcionários, também houve o congelamento dos salários, que foram aos poucos causando o empobrecimento da categoria pela perda do poder aquisitivo, em virtude de reajustes concedidos estarem muito abaixo dos índices inflacionários, gerando como consequência a desmotivação dos funcionários pela falta de valorização profissional – causando, em muitos casos, o adoecimento destes funcionários. Um quadro que se apresenta muito difícil de ser gerenciado, pois mesmo com realização de novos concursos, será impossível restabelecer linhas de pesquisa perdidas e repassar o conhecimento adquirido para as novas gerações, além da impossibilidade de atrair e reter os jovens cientistas, egressos dos programas de pós-graduação, devido ao baixo salário ofertado para o ingresso na carreira de pesquisador Científico no nível inicial.

Qual a relação entre o avanço do Greening e outras doenças que precisam ser monitoradas e o desmonte da pesquisa no Estado?

Existe uma relação de causa e efeito entre o avanço das doenças infecciosas nas culturas que impulsionam o agronegócio no Estado de São Paulo e a falta de políticas públicas de Ciência nos Institutos de Pesquisa. Como não há manutenção dos recursos humanos, devido à ausência de concurso público e de uma remuneração salarial compatível, temos uma série de problemas, já que a citricultura em São Paulo sempre foi forte devido, principalmente, ao trabalho dos pesquisadores científicos e servidores dos Institutos de Pesquisa. São muitas as doenças dos citros que podem causar prejuízos significativos aos produtores e à economia do País, entre elas o greening, a principal doença dos citros nos dias atuais. O greening veio com uma força muito grande em um momento em que os Institutos de Pesquisa apresentam uma forte redução dos recursos humanos e uma impossibilidade de capacitar novos pesquisadores, devido ao enorme intervalo de tempo que se passou para realizar concursos públicos, causando a quebra da passagem do conhecimento científico adquirido. Este fato criou um hiato de gerações, que trouxe como consequência, uma maior dificuldade para monitorar e controlar o avanço do greening na citricultura paulista. Há muitos conhecimentos acumulados sobre o greening nos laboratórios dos Institutos de Pesquisa, mas precisamos de mais pesquisadores para que estes conhecimentos sejam avaliados fora do ambiente experimental. As pesquisas sobre a correta identificação e o monitoramento das doenças, desenvolvidas nos Institutos de Pesquisa, sempre contribuíram com medidas fitossanitárias e de manejo, como o controle biológico de vetores. As doenças infecciosas são cíclicas e devem ser mantidas sob controle. Um exemplo importante, que perdura até hoje foi a imunização das plantas de citros, para controlar o vírus da “tristeza dos citros”, uma importante contribuição dos pesquisadores do IAC, para a citricultura paulista. Precisamos com urgência da recomposição do quadro de recursos humanos nos Institutos de Pesquisa, para evitar um apagão científico e continuar trabalhando para superar os desafios que podem resultar em maior desenvolvimento para o a agricultura.

Recentemente foi aberto concurso para a área de agricultura após 20 anos de espera. O número de vagas oferecidas dará conta de atender a demanda dos institutos? 

O edital do concurso em questão previa 37 vagas de pesquisador científico na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). No momento, o concurso se encontra em fase de execução. A notícia da abertura foi celebrada como uma vitória, uma vez que este concurso era aguardado há vinte anos. Entretanto, o número de vagas é insuficiente para recompor minimamente o quadro dos Pesquisadores Científicos, pois o número de cargos vagos nos sete Institutos de Pesquisa da SAA é muito maior. Portanto, o concurso não irá revitalizar o ambiente científico nestes Institutos. Além disso, o salário para ingresso no nível inicial da carreira não é compatível com o valor pago para o mesmo cargo, nas demais Instituições de Pesquisa no país, chegando a ser inferior a uma bolsa de Pós-doutorado da FAPESP. Infelizmente a contínua diminuição dos recursos orçamentários da SAA, o rebaixamento salarial,  a falta da realização de concursos públicos para reposição de pessoal técnico e administrativo e a falta de diretrizes e programas de Ciência e Tecnologia tiveram como resultado o enfraquecimento dos Institutos de Pesquisa, que prestam  relevantes serviços à agropecuária paulista, seja na pesquisa para a geração de novos conhecimentos e novas tecnologias, seja na capacitação técnico-científica pela transferência do conhecimento para produtores, alunos de graduação e pós-graduados, pela realização de cursos de extensão, treinamentos e programas de Estágio, Especialização, Pós-graduação, Mestrado e Doutorado.

No caso específico da falta de concursos públicos, como isso afeta diretamente o desenvolvimento da pesquisa e dos institutos? Quantos são os cargos vagos nos institutos da área de agricultura?

Para os Institutos Públicos de Pesquisa, a falta de concursos públicos é uma das principais causas da desestruturação destas Instituições. Com a perda gradativa dos profissionais das diferentes áreas de pesquisa sem a devida reposição, foram geradas lacunas que, ao longo do tempo, induziram os diferentes governos do Estado a concluir pela ineficiência dos servidores públicos e iniciar reformas nas Secretarias da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde, as quais os Institutos de Pesquisa pertencem, visando atrair a iniciativa privada para participar dos projetos desenvolvidos pelos pesquisadores, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19, período em que houve um grande fortalecimento das fundações de apoio a pesquisa, pela contratação de pessoal temporário e terceirizado,  com o objetivo de realizar as ações emergenciais enfrentadas pela população. Infelizmente, São Paulo perdeu seu quadro de pesquisadores pelo não investimento na carreira de pesquisador científico, um profissional altamente capacitado, que trabalha em regime de tempo integral, em uma carreira que exige o constante aprimoramento pela realização de cursos, participação em eventos técnico-científico, pela publicação de artigos científicos, boletins técnicos, transferência do conhecimento técnico-científico, orientações de alunos da graduação e pós-graduação e uma infinidade de serviços prestados à população. A baixa remuneração levou centenas de jovens a desistir de prestar o concurso da SAA. O edital do concurso para as 37 vagas teve a inscrição de apenas mil candidatos e registrou 20% de ausência na primeira fase. O concurso está prevendo uma vaga para cada área de pesquisa nos Institutos, número insuficiente para revitalizar a carreira, que sofre com uma perda continuada de pesquisadores, devido a sua maioria estarem no aguardo da aposentadoria. A meu ver, um quadro preocupante para a sobrevivência da ciência nestas instituições. É evidente que os Institutos de Pesquisa estão submetidos a um processo de desmonte.

O que a APqC fez no último período para enfrentar essa situação? Fale sobre as ações e realizações feitas pela atual gestão para tentar minimizar o impacto do desmonte.

Apesar das dificuldades, é importante ressaltar que a APqC tem atuado de forma incansável para o fortalecimento dos Institutos Públicos de Pesquisa e da Carreira de Pesquisador Científico em todas as instâncias. A recomposição salarial têm sido uma prioridade da atual gestão e das que a antecederam, sendo um fator fundamental para manter a excelência do quadro de cientistas nos Institutos de Pesquisa, garantindo a retenção dos pesquisadores nos Institutos Públicos de Pesquisa do Estado de São Paulo. Durante estes dois últimos anos da atuação da diretoria da APqC, muitas inovações foram propostas, entre estas a contratação da assessoria de marketing “Fato Relevante”, que deu visibilidade às atividades dos Institutos de Pesquisa na mídia, sempre com a excelente colaboração da presidente da APqC, que participou de inúmeras entrevistas, nas quais os Institutos conseguiram atrair o olhar dos diversos segmentos da sociedade tanto para o importante trabalho realizado por estes Institutos, quanto pelo descaso com que vem sendo tratados pelo poder público. A associação também atuou com muita garra junto aos órgãos de governo, foi em busca do apoio dos deputados na ALESP, conversando com deputados de diferentes partidos políticos. Participou da apresentação de emendas ao orçamento e um Projeto de Lei para a recomposição salarial para os pesquisadores. Buscou a interlocução na secretaria de Ciência e Tecnologia, Agricultura, Meio Ambiente, Saúde e Gestão. Em cada reunião foram entregues documentos e estudos comprovando a situação de desestruturação dos Institutos de Pesquisa, no que diz respeito tanto aos salários, quanto ao quadro dos recursos humanos, constituído de pesquisadores, assistentes Técnicos de Pesquisa e das classes de Apoio a Pesquisa, que atingiram a dramática cifra de 2 mil cargos preenchidos contra 8 mil cargos vagos em todos os Institutos de pesquisa. Nós acreditamos que São Paulo, um estado rico, vai mudar a situação em que se encontram os Institutos de Pesquisa, pelo entendimento que estes Institutos impulsionam o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado e do País.

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