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Além de exercer o cargo de presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), a bióloga Patrícia Bianca Clissa é pesquisadora científica do Instituto Butantan e conhece de perto a realidade deste e de outros Institutos de Pesquisa vinculados à Secretaria Estadual de Saúde.

Nesta entrevista, realizada a poucos dias do término de seu mandato à frente da Associação, Clissa fala sobre as consequências que já podem ser observadas – e as que ainda serão sentidas – do processo de desmonte enfrentado pelos Institutos.A perspectiva a médio prazo, se nada for feito, é o fechamento de nossas instituições.”, diz ela. Leia na íntegra.

APqC – A pandemia de covid-19 evidenciou a importância da pesquisa científica para a sociedade. Por que isso não se converteu em mais investimentos nos institutos públicos de pesquisa do Estado de São Paulo?

Patrícia Bianca Clissa – Durante a pandemia presenciamos profissionais dos Institutos se mobilizando e arriscando suas vidas no enfrentamento à Covid-19. Os dados oficiais confirmam este esforço: Foram realizados mais de 6 milhões de testes diagnósticos nos institutos (inclusive Institutos da Agricultura/APTA trabalharam em conjunto com os Institutos da Saúde na realização de exames diagnósticos), a vigilância genômica das cepas de preocupação do vírus foi realizada pelos Institutos da saúde e a primeira vacina aplicada nos brasileiros –  a Coronavac – foi trazida por acordo de colaboração com Butantan e Sinovac, incluindo os esforços para conseguir a liberação desta vacina pela Anvisa. Porém, não houve reconhecimento na mesma proporção com que os esforços foram empenhados, pois nada disto se converteu em valorização destes profissionais. Infelizmente, nada foi feito na prática para melhorar as condições salariais destes profissionais, que se encontram atualmente com uma defasagem salarial de aproximadamente 50%, desde 2013. Acreditamos que isto ocorreu porque o projeto de desmonte dos institutos públicos de pesquisa científica no Estado de São Paulo é um projeto que vem ocorrendo há muito tempo e já atingiu proporções muito grandes. Seriam necessárias intervenções drásticas para revitalizar estes institutos, com a abertura de novos concursos e a recomposição das perdas salariais, que foram ocasionadas pela inflação dos últimos dez anos.

Antes da pandemia, o governo do Estado de São Paulo aventou a possibilidade de privatizar o Instituto Butantan – e recuou após a repercussão negativa e o papel estratégico dos pesquisadores desempenhado no auge da crise sanitária. A APqC avalia que esse risco ainda existe? Por que combater a privatização dos institutos científicos?

Realmente, em 2019, o então governador, João Doria, fez um vídeo para ser apresentado em DAVOS sobre os promissores ativos do Estado de São Paulo e, neste vídeo, ele buscava “parcerias para tornar o Instituto Butantan o maior produtor mundial de vacinas”. Na área da saúde as parcerias público-privadas (PPP) já têm ocorrido, porém não podem predominar sobre os investimentos públicos nestas instituições, pois se perde o caráter de interesse social nas pesquisas desenvolvidas e acaba-se priorizando sempre o lucro do ente privado. Sendo assim, a APqC está ciente que ainda existe o risco de privatização de uma instituição como o Butantan e o que fazemos para combater é um esforço permanente para conscientizar a população sobre a importância de as instituições de pesquisa continuarem sendo públicas, democratizando o acesso às vacinas e outros bioinsumos, para que possam ser vendidos a preços acessíveis ao Ministério da Saúde e assim chegar a milhões de brasileiros via SUS.

Como a APqC avalia a situação dos institutos de pesquisa na área da saúde no último período? Quais as principais necessidades do setor?

Foi muito impactante a extinção da SUCEN, em plena pandemia e sem nenhuma justificativa técnica. Tivemos que ouvir do Rodrigo Garcia, governador na época, que a SUCEN se resumia aos caminhões de fumacê, e o órgão não era mais útil, pois nada podiam fazer para controlar a pandemia. Ouvir aquilo foi muito revoltante, gerou muita indignação nos servidores da saúde. Esta extinção gerou muitos impactos no trabalho que a SUCEN sempre realizou para controlar, conter e combater muitas doenças endêmicas. Houve uma completa desestruturação de uma rede envolvendo mais de 13 laboratórios distribuídos em todo o estado, com cerca de 700 funcionários responsáveis por realizar um serviço altamente especializado e até hoje os trabalhos que antes eram realizados pela SUCEN, agora são realizados com muito mais dificuldades. Além destes pontos, a questão da ausência de funcionários e falta de reposição da inflação sobre os vencimentos são os principais desafios que os institutos enfrentam.

A médio prazo, quais serão os prejuízos para a sociedade da falta de investimentos nos institutos científicos, principalmente nos institutos da área da saúde?

A redução de recursos humanos ao longo dos últimos cinco anos, com muitas aposentadorias, principalmente após o ano da pandemia, em 2020, tem exigido aumento da carga de trabalho sobre os técnicos e cientistas, bem como a necessidade de extensão de horas trabalhadas e a realocação da força de trabalho, fatores que têm impactado em muito a saúde e a qualidade de vida no ambiente laboral, além de prejudicar imensamente o desenvolvimento da missão de nossas Instituições. São mais de 70% de cargos disponíveis em nossos Institutos. A perspectiva a médio prazo, se nada for feito para prover novos funcionários para estes cargos, é o fechamento de nossas instituições.

O que a Associação tem feito para tentar minimizar os impactos da falta de investimentos? Poderia citar algumas ações realizadas no último período?

Temos levado a questão dos Institutos para a mesa de discussão com as respectivas secretarias, mas até o momento não obtivemos frutos concretos destas investidas. Também estamos trabalhando no âmbito do poder legislativo, levando ao conhecimento dos deputados estaduais de diferentes partidos a problemática que os Institutos têm enfrentado.

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