pni

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) faz 50 anos em 2023. Criado pelo Ministério da Saúde em setembro de 1973, o programa centralizou as campanhas de vacinação no país, antes feitas separadamente por estados e municípios para combater surtos. Essa realidade mudou após o sucesso da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) nos anos 1960, promovida pelo governo brasileiro com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que cobravam ações dos países que ainda sofriam com a doença na época, caso do Brasil.

A ação conjunta conseguiu uma proeza impensável na ocasião: vacinar a população de todos os municípios brasileiros contra a varíola humana (smallpox) – mais de 80 milhões de pessoas – com um imunizante que também foi produzido pelo Instituto Butantan (a Fiocruz foi o outro produtor do imunizante).

“O Brasil participou da CEV, foi muito bem sucedido, e mostrou ser possível fazer campanhas de vacinação coordenadas e com altas coberturas em todo o Brasil. Esse foi o maior incentivo para a criação do PNI”, afirma o gerente de Desenvolvimento e Inovação de Produtos do Butantan, Paulo Lee Ho.

Ao longo do século XX, o Butantan – fundado em 1901 como Instituto Serumtherapico, e que mudou de nome em 1925 – se transformou em um grande produtor de soros e vacinas contra as principais doenças que assolavam o país. Desenvolveu a vacina contra gonorreia (1918), a vacina contra meningite (1920), o imunizante BCG (contra tuberculose, em 1926), a vacina contra difteria (1927), além de vacinas contra bactérias que causavam pneumonia e diarreia e contra a febre tifoide até a década de 1940.

Nos anos seguintes, o Butantan iniciou o desenvolvimento de uma vacina contra influenza (1948), a vacina antirrábica (1949), um imunizante contra a febre amarela (1953) e outro contra coqueluche (1955).

Nas décadas de 1960 e 1970, o Instituto começou a fazer a distribuição e o controle de qualidade de vacinas que mudaram a realidade das doenças infecciosas no Brasil. A vacina oral contra a poliomielite (VOP) foi oferecida em campanhas estaduais em São Paulo e no Rio de Janeiro a partir de 1962, e, em 1963, o Instituto iniciou a produção da vacina tríplice bacteriana (difteria, tétano e pertussis).

Nos anos de 1980, passou a produzir a vacina BCG intradérmica liofilizada e a vacina contra o sarampo, estas já distribuídas no Programa Nacional de Imunizações.

“O Butantan tem o histórico de distribuição de vacinas anterior ao PNI, quando ele já produzia e fazia o controle de qualidade dos imunizantes adotados na vacinação estadual. Mas a entrada no programa nacional foi muito importante para colaborar com a introdução de mais vacinas em todo o Brasil”, afirma a diretora técnica do Centro Bioindustrial do Butantan, Elisabeth Tenório.

Em 1971, o Ministério da Saúde implantou o Plano Nacional de Controle da Poliomielite em 14 estados, estratégia que foi incapaz de conter uma grave epidemia de paralisia infantil. Altamente contagiosa, a poliomielite atingia sobretudo crianças e, quando não levava ao óbito, causava lesões irreversíveis. Em 1980, a pasta criou a 1ª Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, com a meta de vacinar todas as crianças do país menores de 5 anos em apenas um dia.

“Quando o PNI foi criado, havia a discussão sobre qual estratégia seria implementada para que ele fosse bem sucedido. O Dia Nacional da Vacinação e o Zé Gotinha conseguiram mobilizar muita gente e ajudar a economizar recursos já que ocorria em apenas um dia”, conta Paulo Lee Ho.

Dia Nacional da Vacinação deu tão certo que o número de casos de pólio começou a cair ano a ano. Em 1989 foi registrado o último caso de poliomielite no Brasil. Em 1994, o Brasil ganhou o certificado da OPAS de erradicação da poliomielite.

“Para garantir o armazenamento correto das vacinas, visitávamos as unidades de saúde, avaliávamos a rede de frio e treinávamos os profissionais que faziam o manejo para entenderem como eram feitos os imunizantes e a importância de armazená-los da forma adequada”, conta Elisabeth Tenório.

A preocupação na época era garantir que a vacina chegasse nas condições ideais de uso nas áreas mais remotas. “Hoje nosso controle foi aprimorado e temos uma rede de frio bem distribuída”, afirma a diretora.

Butantan e a vacina contra a varíola

Apesar de já haver vacinas contra a varíola humana sendo produzidas no Brasil desde o final do século XIX, o vírus continuou endêmico no país por décadas porque as campanhas esporádicas de vacinação não tinham forte adesão.

A varíola é uma doença infeciosa grave e altamente contagiosa causada pelo vírus Orthopoxvirus variolae. Ela leva à morte cerca de 30% dos contaminados – a Covid-19 tem 1% de taxa de letalidade, em comparação. Seus sintomas principais são febre alta, dores no corpo, vômitos e o surgimento de bolhas na pele. Quando secas, as pústulas formam cascas e deixam cicatrizes por todo o corpo. Não raro, os sobreviventes tornam-se cegos.

Foi entre os anos de 1892 e 1894 que o Instituto Vacínico Municipal do Rio de Janeiro e o Instituto Vacinogênico de São Paulo produziram as primeiras vacinas contra a varíola a partir do vírus bovino (cowpox) importado da Europa. As instituições se transformaram respectivamente no Instituto Soroterápico Federal (atual Fundação Instituto Oswaldo Cruz), em 1900, e no Instituto Serumtherapico, em 1901 (atual Instituto Butantan).

Apesar da escala industrial para os padrões da época, com produção de quase 100 mil tubos somente em São Paulo, a adesão ao imunizante continuava pequena devido à alta rejeição da população à vacina. Havia um medo generalizado de que o imunizante provocasse a doença em vez de curá-la e um preconceito contra o vírus bovino – muitos temiam ficar com “cara de vaca”.

Com pouca gente vacinada, o Rio de Janeiro vivia surtos de varíola cada vez piores. Um deles, em 1904, matou mais de 3.500 pessoas. O ocorrido foi o estopim para a decretação da Lei da Vacinação Obrigatória, sugerida ao Congresso Nacional pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), então diretor do Instituto Soroterápico Federal.

A lei rendeu diversos protestos pelo país, entre eles a famosa Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro. O episódio levou a mortes e centenas de prisões, e fez a lei ser revogada. Porém, em 1906 uma nova epidemia afetou a então capital federal e matou quase 7 mil pessoas. Com medo de que ocorresse o mesmo em seu território, o governo estadual de São Paulo acelerou a sua produção de imunizantes.

O Instituto Vacinogênico de São Paulo foi reestruturado com o acréscimo de funcionários e maquinário. Assim, aumentou sua capacidade de produção para 60 mil tubos por hora e começou a enviar vacinas para outros estados.

No documento “Etapas da produção da vacina antivariólica no Instituto Butantan”, o pesquisador da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do Butantan José Amaral do Prado descreve como era feita a vacina liofilizada (em pó) do Instituto.

“O vírus Poxvirus officinalis, fundamental para a produção da vacina, era cultivado na pele de animais adquiridos pelo Instituto Butantan. Esses animais serviam como incubadores para a reprodução do vírus até o ponto final de coleta da polpa vacínica. Após este período o extrato seria centrifugado, tratado, liofilizado e finalmente disponibilizado em pequenos frascos para a sua distribuição pelo mundo.”

Ao longo dos anos, o próprio Butantan foi modernizando sua vacina, passando a fazê-la em cultura celular de carneiros e depois em ovos. A partir de 1967, o Instituto se tornou o grande produtor de vacinas do estado de São Paulo, tendo papel fundamental tanto na produção vacinal como em pesquisas em diversas áreas da biologia e da medicina.

“A participação do Instituto Butantan na Campanha de Erradicação da Varíola se mostrou uma estratégia acertada, uma vez que mostrou a importância do Instituto no enfrentamento de problemas de saúde pública e proporcionou maior investimento no Instituto Butantan, permitindo que se estruturasse laboratórios de produção de vacinas”, descreve a dissertação “Papel do Instituto Butantan na campanha de erradicação da varíola na gestão de Jandyra Planet do Amaral”.

Em 1974, a produção do Butantan alcançou mais de 20 milhões de doses de vacina liofilizada, sendo esse total um recorde de produção do Instituto. A boa fase atendeu à meta então proposta pela Secretaria da Saúde, que estimava essa produção desde 1968. Apesar de não haver mais casos notificados, o foco principal era imunizar crianças de zero a 4 anos que ainda não tinham recebido a vacina, uma preocupação da então diretora do Instituto Butantan Jandyra Planet do Amaral (1968-1975).

“O Butantan teve um papel crucial na produção das vacinas contra a varíola no Brasil, que conseguiram erradicar uma doença tão grave e mortal. Imagino que se ainda tivesse varíola hoje em dia, duvido que as pessoas não tomariam a vacina”, reforça Paulo.

Butantan e o PNI

Ao longo dos anos, o Butantan continuou investindo no desenvolvimento de novos imunizantes que foram incluídos no PNI. As fábricas dos antígenos de difteria, tétano e pertussis sofreram atualização para uma produção em sistema fechado na década de 1980, sob a coordenação do médico, professor e cientista Isaías Raw, com o apoio da farmacêutica e bioquímica Hisako Gondo Higashi, ambos ex-diretores do Instituto.

Atualmente são distribuídas as vacinas tríplice bacterianas (contra a difteria, tétano e coqueluche – DTP e DTPa), que dão origem às vacinas dupla adulto (coqueluche e tétano – dT) e a vacina dupla infantil (DT); a vacina contra a hepatite A, a vacina contra hepatite B (recombinante); a vacina influenza sazonal trivalente, a vacina contra raiva, e a vacina contra o HPV.

Segundo o Ministério da Saúde, a inclusão dos imunizantes foi responsável pelo controle do sarampo e do tétano neonatal, além da difteria, coqueluche, tétano acidental e hepatite B no país. Contudo, a vacina contra o HPV, introduzida no PNI em 2014, ainda não atingiu a meta de 90% de cobertura e é alvo constante de fake news.

“Uma das vacinas mais importantes que eu enxergo em nosso portfólio é a vacina contra o HPV, porque ela consegue impedir o câncer de colo de útero e outros cânceres tomando apenas duas doses. Infelizmente tem gente que não enxerga o benefício de se permanecer saudável, diminuindo muito o risco de ter uma doença grave”, diz Paulo Lee Ho.

Com o tempo, alguns dos imunizantes produzidos pelo Butantan deixaram de fazer parte do PNI, por necessidade de focar em outras demandas ou por novas necessidades de saúde pública. A planta de produção dos monovalentes e as áreas de formulação, envase e embalagem receberam certificação de Boas Práticas de Produção pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e foram pré-qualificadas pela OMS, facilitando a aquisição por outros países e organismos internacionais como a OPAS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre outros.

A vacina Influenza, por exemplo, ganhou escala e hoje o Butantan distribui 100% das doses usadas em todo o país: 80 milhões por ano.

“O critério para a entrega das vacinas parte de determinações da Organização Mundial da Saúde que orienta quais vacinas são obrigatórias ou quais devem ser produzidas para conter a disseminação de doenças altamente contagiosas. O Butantan tenta sempre se antecipar a possíveis demandas que virão e foi assim com a varíola, com a poliomielite, sarampo e mais recentemente com a gripe suína, com a Covid-19 e com a gripe aviária”, diz Elisabeth Tenório.

Atualmente, o Butantan desenvolve a vacina influenza tetravalente, a ButanVac (contra Covid-19), e imunizantes contra dengue e chikungunya. Essas vacinas estão na fase final de estudos e, caso tenham o desfecho esperado, devem ser candidatas para uso no PNI nos próximos anos.

Recentemente, o Butantan finalizou a produção de um lote de vacinas contra gripe aviária (H5N1) feito em caráter preventivo.

“Estamos sempre trabalhando olhando para a frente. Seguimos o Programa Nacional de Imunizações que prevê quantos imunizantes vamos fornecer nos próximos anos, atuando em conjunto com a Secretaria Estadual de Saúde, que trabalha com base nas diretrizes nacionais”, afirma Elisabeth.

Para os pesquisadores, poder estudar e distribuir vacinas para o controle de doenças de importância em saúde pública faz parte do DNA do Butantan.

“A integração entre o Butantan e o PNI é muito importante para que o Instituto continue cumprindo sua missão que não é comercial, mas de atender a população brasileira e de outros países que necessitarem dos imunobiológicos”, afirma Elisabeth Tenório.

Apesar do Instituto Butantan estar em São Paulo, sua produção é voltada para todos os brasileiros.

“O Butantan faz produção de imunobiológicos para a saúde pública e, quando falamos em saúde pública, não há fronteiras. Temos que proteger a todos, caso contrário sempre teremos risco. Não tem como fazer saúde pública e não pensar no coletivo, no país”, conclui Paulo Lee Ho.

Fonte: Instituto Butantan

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