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A pobreza impacta profundamente a possibilidade de acesso de uma criança às vacinas. A afirmação consta no relatório Situação Mundial da Infância 2023: para cada criança, vacinação, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Segundo a publicação, uma em cada cinco crianças de famílias pobres não receberam nenhuma dose da vacina tríplice bacteriana; enquanto entre as mais ricas, a proporção aumenta de uma para 20.

Capaz de proteger contra a difteria, o tétano e a coqueluche, o imunizante é um dos primeiros a ser aplicado, uma vez que a orientação é iniciar o esquema vacinal aos dois meses de vida. Porém, entre os anos de 2019 e 2021, 47 milhões de meninos e meninas espalhados por todo o mundo não receberam a primeira dose do imunizante. Desse total, cerca de 40 milhões de crianças concentram-se em apenas 20 países – entre eles o Brasil, que com quase 30% da sua população infantil não vacinada ocupa a 12ª posição do ranking.

De acordo com o estudo, a maioria dos pequenos que não foram imunizados vivem em áreas rurais remotas e regiões de conflito, onde os serviços de saúde são mais escassos e as famílias moram longe das unidades de saúde, além de favelas urbanas, onde os sistemas de saúde muitas vezes são mal equipados e a acessibilidade é um desafio.

Outra questão costuma ser os pais e cuidadores que, muitas vezes, não conseguem se ausentar do trabalho e arcar com os custos necessários para chegar às unidades de saúde. Problemas na cadeia de suprimentos, escassez de profissionais de saúde e falta de eletricidade, água e saneamento básico também são barreiras significativas a serem superadas para garantir a disponibilidade de vacinas à população mais vulnerável.

Realidade brasileira

Hoje, mais de 18 milhões de crianças brasileiras com até 5 anos de idade vivem sob perspectivas de saúde bastante distintas quando comparadas com as de 30 anos atrás. Um indicativo dessa transformação é a taxa de mortalidade na infância (até 5 anos), que diminuiu de 50 para 13 óbitos a cada mil nascidos vivos entre 1990 e 2020.

O período coincide com um maior engajamento do Plano Nacional de Imunizações (PNI), estabelecido em 1975. Após erradicar a febre amarela urbana, a varíola e a poliomielite, durante a década de 1990 o programa concentrou esforços para controlar o sarampo e outras doenças, como tétano, tuberculose, difteria e coqueluche. Como resultado, as taxas de cobertura vacinal para diversos imunobiológicos se estabilizaram em torno de 100% nos anos 2000, incluindo as vacinas BCG, sarampo, poliomielite e tríplice bacteriana.

Apesar das décadas de avanço, o cenário atual é preocupante. Recentemente, o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa, convocou os países da América Latina a intensificarem urgentemente seus programas de vacinação devido ao risco de surtos de doenças atingir o nível mais alto em 30 anos.

Durante coletiva de imprensa, Barbosa destacou que, embora o continente tenha sido a primeira região do mundo a eliminar a poliomielite e foi líder mundial no controle e erradicação de diversas doenças, os programas nacionais de imunização sofreram retrocessos significativos na última década.

No Brasil, onde a cobertura vacinal infantil é um indicador crucial para a saúde pública, todas as taxas estão abaixo das metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde desde 2016. Também é possível observar uma estagnação na taxa de mortalidade na infância, que variou apenas de 14 para 13 óbitos a cada mil nascidos vivos no período. Comparando-se os sete anos anteriores, entre 2009 e 2016, a queda foi de quase 6 mortes.

Desigualdades regionais

Segundo o World Inequality Report 2022, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo: 10% da população é responsável por acumular quase 60% da riqueza nacional. O desequilíbrio na distribuição de renda limita o acesso a recursos capazes de proporcionar melhores condições de vida, como saúde e educação, resultando em disparidades regionais, sendo Norte e Nordeste as áreas mais afetadas.

Desde 2013, por exemplo, ambas regiões têm ficado abaixo da média nacional de cobertura vacinal para imunizantes aplicados em crianças menores de 4 anos – exceto em 2022, quando o Nordeste conseguiu superar a média. A falta de vacinação deixa as crianças mais suscetíveis a doenças graves como sarampo, poliomielite, coqueluche, meningite e hepatite, contribuindo para o aumento do número de mortes infantis.

Uma análise do Observatório de Saúde na Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou que duas em cada três mortes de bebês com até 1 ano poderiam ser evitadas com ações como vacinação, amamentação e acesso à atenção básica de saúde. Segundo dados compilados pelo Observatório da Criança e do Adolescente, em 2021 o país registrou 21.052 óbitos por causas evitáveis nessa faixa etária, sendo cerca de 10 mil – quase a metade – nas regiões Norte e Nordeste.

Assim como o relatório da UNICEF, o documento da Fiocruz relaciona a desigualdade social à dificuldade de acesso às vacinas. Em resumo: onde a atenção básica não chega, a queda da cobertura vacinal é mais acentuada.

Conforme registrado pelo próprio PNI, são muitas as áreas em que a vacinação não se dá com a regularidade desejada. Na região amazônica, por exemplo, diversos locais só podem ser acessados por vias aéreas ou fluviais. Também é apontada como problemática a imunização em regiões de fronteira e nas comunidades periféricas – locais onde os acessos costumam ser complexos, dificultando tanto a movimentação dos agentes do Sistema Único de Saúde (SUS) como a chegada dos próprios moradores aos postos de vacinação.

Além disso, há disparidades na distribuição dos profissionais de saúde no território brasileiro. Em 2021, os mais numerosos eram os técnicos, com índice de 41 por dez mil habitantes, sendo que a menor proporção estava na região Nordeste (31 por dez mil habitantes). Considerando os trabalhadores com nível superior, a região mais carente foi a região Norte, com apenas nove para cada dez mil habitantes. Os dados constam no relatório Síntese de Indicadores Sociais, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Vacinas podem reduzir desigualdades

De acordo com a publicação da UNICEF, quando uma criança é vacinada e protegida, os impactos dessa ação extrapolam o ambiente familiar, trazendo melhorias para a comunidade na qual ela está inserida, assim como para o sistema de saúde e a economia de um país.

Imunizados, os pequenos ficam menos doentes. Com isso, os pais ou cuidadores precisam se afastar menos tempo de seus trabalhos, diminuindo possíveis impactos na renda familiar. Além disso, as crianças faltam menos na escola, aprendendo mais e melhor. Um estudo conduzido na Índia mostrou que ser totalmente vacinado estava associado a uma melhoria de 6% a 12% nas habilidades básicas de leitura, escrita e matemática.

Por fim, quando uma criança pode crescer de forma saudável, as chances de se tornarem adultos produtivos, capazes de contribuir com o desenvolvimento econômico de seu país, também são muito maiores. Segundo o relatório, estima-se que para cada US$ 1 gasto em imunização, US$ 26 sejam gerados em retorno. Apostar nos benefícios das vacinas é um dos melhores investimentos que um país – assim como os cuidadores – podem fazer por suas crianças.

Fonte: Instituto Butantan

 

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