mosquito

Embora eles sejam milimétricos e vulneráveis a um simples tapa, os mosquitos são considerados os animais mais letais de todo o planeta para os seres humanos. Isso porque, por meio de sua picada, muitos deles podem transmitir vírus perigosos, como dengue, febre amarela, Zika e chikungunya (as chamadas arboviroses); ou até protozoonoses, como a malária. De acordo com o The World Mosquito Program (WMP), organização não governamental ligada à Universidade Monash, da Austrália, esses vetores são responsáveis por infectar mais de 700 milhões de pessoas no mundo e causam cerca de 1 milhão de mortes todos os anos.

Consideradas ameaças globais à saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), grandes surtos de arboviroses têm ocorrido desde 2014, afetando populações de diversos países. Para os próximos anos, as expectativas são ainda mais preocupantes devido aos impactos das mudanças climáticas. Um estudo conduzido pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e publicado na revista The Lancet Planetary Health ajuda a dimensionar o problema: se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a aumentar seguindo os níveis atuais, 8,4 bilhões de pessoas poderão estar em risco de contrair malária e dengue até o final deste século.

“O clima está mudando o tempo todo, desde que o planeta nasceu. Só que agora, nessa época pós-revolução industrial, as evidências mostram que as alterações climáticas estão acontecendo mais rapidamente e com maior intensidade”, explica o pesquisador do Laboratório de Parasitologia do Butantan Lincoln Suesdek.

A longo prazo, tais transformações podem erradicar diversos seres vivos, ao passo que também colocam em posição de vantagem espécies mais adaptáveis – entre elas, os cada vez mais temidos mosquitos.

Praticamente imortal

Não é à toa que os mosquitos habitam o planeta Terra há mais de 170 milhões de anos. Enquanto a evolução da espécie humana aconteceu em um período aproximado de 300 mil anos, em intervalos de apenas dois anos já é possível notar mudanças evolutivas no inseto.

“Essa rápida adaptação acontece, principalmente, por conta da alta variabilidade genética. Isso significa que quase sempre haverá um mosquito com algum tipo de vantagem em seu DNA que garantirá sua sobrevivência, não importa quão hostil o ambiente se torne. Vivo, ele se reproduz e repassa tais características vantajosas aos seus descendentes”, descreve Lincoln. É a seleção natural, teoria de evolução proposta pelo naturalista britânico Charles Darwin, acontecendo a olhos vistos.

O tão falado Aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, Zika e chikungunya, é um exemplo. Tudo indica que o mosquito, originário há 7 milhões de anos de uma região de floresta em Madagascar, na África, adaptou-se ao ambiente rural até chegar às cidades há cerca de menos de mil anos. A versão urbana do mosquito se espalhou pela Ásia e alcançou inúmeras partes do mundo, como o Brasil e outros países da América Latina. “As cidades são invenções relativamente novas na humanidade. Por isso, podemos dizer que é algo inusitado para qualquer ser vivo se adaptar a esse ambiente”, diz o especialista.

Outra particularidade observada pelos cientistas é que quando uma espécie consegue, enfim, se ajustar ao espaço urbano, o número de indivíduos costuma aumentar consideravelmente. No caso dos mosquitos, tal característica desencadeia uma espécie de reação em cadeia: as ilhas de calor presentes nas cidades favorecem a reprodução do mosquito; quando chegam à fase adulta, as fêmeas picam os humanos para retirar o sangue que serve para alimentar a produção de ovos; caso essas fêmeas tenham a capacidade de transmitir algum patógeno, acontece um impacto epidemiológico, aumentando o número de infecções por arboviroses entre a população humana.

De acordo com o Relatório sobre a Lacuna de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicado em novembro, o mundo segue para um aumento da temperatura neste século de 2,5°C a 2,9°C acima dos níveis pré-industriais. Além de favorecer a reprodução do inseto, essa elevação facilita o chamado ciclo extrínseco de reprodução do vírus, aumentando a velocidade com que os patógenos se multiplicam no interior do organismo do inseto, já que o calor acelera as reações bioquímicas internas do animal.

Efeito dominó

Os impactos das mudanças climáticas são diversos. Em termos geográficos, o aumento da temperatura pode levar a uma ampliação da faixa tropical, transformando regiões até então temperadas em áreas mais quentes. “Vários estudos mostram que essa possível nova configuração levaria os mosquitos para localidades do globo onde eles ainda não transitam, deixando ainda mais pessoas expostas aos vetores e seus vírus”, afirma Lincoln.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a incidência de dengue aumentou quase oito vezes no mundo desde 2000. Antes de 1970, o mosquito transmissor da doença estava presente em poucos países, mas agora é encontrado em mais de 130. Neste ano, casos de transmissão local (autóctone) do vírus foram registrados em países como Itália, Espanha e França. Inclusive, boa parte do território francês já se encontra em alerta máximo de vigilância contra a propagação do vetor, que na região acontece pelo Aedes albopictus.

Conhecido popularmente como mosquito-tigre, ele transita entre áreas silvestres e urbanas, sendo encontrado em cidades mais arborizadas, áreas rurais e bordas de floresta. Além de disseminar quase os mesmos vírus que o Aedes aegypti, o mosquito eventualmente pode transmitir a febre amarela.

“Podemos dizer que um fluxo de novos vetores também poderia ocorrer por reflexo do desmatamento. Diferentemente da área urbana, nas florestas temos uma variedade enorme de espécies, porém menos indivíduos de cada uma delas. Quando diminuímos esse espaço de mata para criar novos ambientes, o ser humano pode entrar em contato com novos vetores capazes de desencadear a transmissão de patógenos que ainda são pouco ou completamente desconhecidos.”

Um estudo realizado pelo Laboratório de Parasitologia do Butantan e publicado na revista PLoS Neglected Tropical Diseases, mostrou que os impactos proporcionados pelas mudanças climáticas devem ampliar a área de distribuição de quatro vírus transmitidos por mosquitos: Oropouche (OROV), Mayaro (MAYV), Rocio (ROCV) e o vírus da encefalite de Saint Louis (SLEV).

Para chegar à conclusão, os pesquisadores levantaram os surtos referentes às doenças que ocorrem no país desde a década de 1960, traçando relações com fatores ambientais como média de precipitação e temperatura anual, altitude, sazonalidade de temperatura (variação entre os meses mais quentes e mais frios do ano) e precipitação (variação entre os meses mais chuvosos e os mais secos), amplitude térmica (variação da temperatura ao longo do mês) e variação diária da temperatura.

Utilizando modelos matemáticos, o grupo estimou como seria a distribuição dos quatro vírus até o ano de 2100, considerando dois cenários climáticos projetados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC): um conservador, com diminuição das emissões de gases de efeito estufa; e outro considerando que as emissões vão seguir no ritmo atual.

“De forma bem clara, a perspectiva é que a coisa pode piorar bastante.” Lincoln alerta que o Oropouche tem potencial para se alastrar na região Norte; o Mayaro no Centro-Oeste e o Saint-Louis no Sul e Sudeste; enquanto o Rocio impactaria principalmente o Sul do país. “São previsões bem sérias, uma vez que essas doenças ainda não têm vacinas e o conhecimento sobre elas é bastante restrito”, completa.

Diferentes formas de prevenção

As populações de mosquitos urbanos existentes atualmente já são resultado de um desequilíbrio ambiental. Além do uso de pesticidas e dos cuidados para evitar a proliferação de criadouros, alguns países têm investido na liberação de vetores modificados.

Uma dessas estratégias é a supressão populacional pela técnica do macho estéril, geneticamente alterado em laboratório. “Entretanto, as iniciativas realizadas até o momento são limitadas. Primeiro porque seria necessário alterar uma quantidade enorme de mosquitos. Além disso, muitas fêmeas podem conseguir identificar que aquele indivíduo possui alguma desvantagem em relação aos outros machos e não permitirem a cópula”, pontua Lincoln.

Já a estratégia de substituição populacional apresenta mais potencial. Em uma das técnicas, alguns exemplares são capturados para mapeamento genético para depois serem reproduzidos em laboratório, onde recebem uma bactéria chamada Wolbachia. Esse microorganismo altera o sistema imune do mosquito, dificultando a infecção por arboviroses – e, consequentemente, reduzindo sua transmissão à população humana.

Quando libertados, os mosquitos com Wolbachia se reproduzem com os vetores locais. Como a sucessão de gerações entre os mosquitos é rápida, em um médio espaço de tempo quase toda a população local do vetor já estaria carregando a bactéria capaz de inibir o desenvolvimento dos vírus. Um estudo publicado na revista The New England Journal of Medicine apontou redução de 77% na incidência de dengue e queda de 86% nas hospitalizações pela doença em áreas tratadas com Wolbachia quando comparadas com outras não tratadas.

O método já foi aplicado em 14 países com a ajuda da ONG World Mosquito Program, protegendo mais de 11 milhões de pessoas. Desde 2017, o Brasil integra a iniciativa, que, em parceria com o Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), já promoveu ações nas cidades de Niterói (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MT) e Petrolina (PE), impactando mais de 3 milhões de pessoas.

Outra iniciativa importante é o chamado levantamento entomológico, que prevê a captura de vetores para entender o tipo de mosquito circulante, onde ele se concentra e quais as regiões mais críticas. Atualmente, o Butantan mantém uma parceria com a cidade de Santos, no litoral de São Paulo, que realiza esse mapeamento, uma vez que se trata de um local estratégico por conta da presença do porto marítimo (por onde insetos exóticos podem chegar ao país).

De acordo com Lincoln Suesdek, por mais que a iniciativa tenha efeito limitado sobre a redução da população de mosquitos, o diagnóstico contribuirá para que a ciência entenda a situação epidemiológica de maneira dinâmica e abrangente e, assim, consiga traçar estratégias mais efetivas para o combate às arboviroses.

Fonte: I. Butantan

 

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