buta1

“Escrevo para agradecer sinceramente a você e sua equipe pela incrível resposta e apoio prestado a um voluntário envenenado em nosso parque em Sophia Point, Guiana. A fantástica notícia é que, graças ao seu antiveneno, Josh parece estar tendo uma recuperação completa e rápida”. É assim que David Lammy, membro do Parlamento Britânico, inicia a carta endereçada à diretora técnica de produção de soros do Butantan, Fan Hui Wen, em reconhecimento ao trabalho desenvolvimento pelo Instituto Butantan. (Leia a carta abaixo)

O político britânico, de origem guianesa, gratifica a força-tarefa coordenada pelo Butantan no envio de ampolas de soro antilonômico à Guiana, responsáveis por salvar a vida de um homem inglês de 29 anos envenenado ao pisar em uma taturana. O acidente ocorreu em 24 de março de 2023, enquanto ele fazia trabalho voluntário no parque ecológico Sophia Point Rainforest Research Centre, em Georgetown, capital do país.

Depois de um vaivém em prontos-socorros locais, que não identificavam a suspeita de envenenamento, Josh passou a apresentar hemorragia interna, com surgimento de hematomas pelo corpo, inchaço e mal-estar geral – sintomas típicos da ação do veneno da Lonomia, o nome científico da taturana peçonhenta.

Risco de vida

Preocupados com o estado de saúde do inglês, amigos próximos, dentre eles uma brasileira, residentes em Londres, na Inglaterra, entraram em contato com o Hospital Vital Brazil (HVB) pedindo socorro. Era final da tarde de 30 de março, quando a situação de Josh foi apresentada aos plantonistas do hospital localizado dentro do Butantan.

A suspeita de envenenamento foi confirmada pelos médicos brasileiros, após uma troca intensa de informações por telefone e e-mail entre os profissionais dos dois países.

Com o diagnóstico correto, ficou claro por que os antibióticos e anti-inflamatórios que vinham sendo administrados nele eram incapazes de sanar o envenenamento.

“Pedimos primeiramente o envio dos exames de sangue e fotos do paciente. Ele estava com alguns hematomas, típicos do envenenamento por Lonomia, e com as plaquetas alteradas. Pelo quadro, fechamos o diagnóstico com certa facilidade e sugerimos o uso imediato de 10 ampolas de soro antilonômico, já que o caso era grave”, lembra o médico Jefferson Murad, plantonista do HVB.

Lonomia, conhecida também como taturana ou lagarta de fogo, embora pequena, é capaz de inocular um perigoso veneno ao menor toque em suas cerdas. A substância causa uma lesão semelhante a uma queimadura, com inchaço e bolhas na região de contato. Horas depois, o envenenamento provoca alteração na coagulação sanguínea e hemorragias pelo corpo e na urina. Se o veneno não for neutralizado, o envenenamento leva à morte. Por isso, o uso rápido do antiveneno é crucial.

“O resultado do tratamento com a aplicação das doses recomendadas do soro antilonômico é mais eficiente quanto mais precocemente essas doses forem administradas por via intravenosa”, esclarece Fan.

O problema é que não havia uma ampola sequer de soro antilonômico disponível em Georgetown e nem mesmo em toda Guiana. Sendo assim, o Butantan deu início ao seu protocolo de doação internacional de soro, que envolve várias instâncias do Instituto.

Atendimento especializado

Fan acionou a equipe de Relações Internacionais do Butantan, que fez a ponte entre o consulado da Guiana, os médicos do HVB, a área comercial do Instituto, que avaliou os estoques de soro, e pessoas próximas de Josh. O objetivo era agilizar o máximo possível a entrega de documentos que validassem a ajuda humanitária. Um deles era a necessidade de um pedido oficial do governo da Guiana solicitando o soro ao Butantan.

A Guiana, antiga Guiana inglesa, se tornou República da Guiana após sua independência em 1966, permanecendo na Commonwealth – organização intergovernamental formada por 56 países independentes, a maioria ex-colônias britânicas.

“Em menos de uma hora, já tínhamos criado todos os elos para que os médicos comprovassem o diagnóstico, para que a família e os agentes do consulado estivessem a par disso e fizemos o pedido formal que permitiria o envio dos soros para Georgetown”, conta a analista de Relações Internacionais do Instituto Butantan, Giulia Cipollone, que fez as intermediações.

Com o pedido formal enviado pelo governo da Guiana, Fan acionou o Ministério da Saúde brasileiro e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que concluíram que seria mais rápido entregar as ampolas por Roraima, estado fronteiriço com a Guiana. No dia seguinte ao pedido, membros da Secretaria Estadual de Saúde de Roraima entregaram 10 ampolas de soro antilonômico para agentes guianeses na fronteira entre as cidades de Bonfim (RR) e Lethem, na Guiana.

“Às 17 horas do dia 31 de março, 24 horas após o primeiro contato com o Butantan, os representantes da Guiana receberam o soro na fronteira de Roraima. No dia 1º de abril o soro chegou ao hospital e o paciente o recebeu imediatamente. Em dois dias a urina dele clareou, os hematomas melhoraram e a coagulação já estava normalizada”, descreve Fan.

Josh recebeu alta em 14 de abril e, dias depois voltou para o Reino Unido.

Protocolo de emergência

A agilidade na entrega do soro só foi possível porque o Butantan conta com uma rede de profissionais que sabe o que fazer diante de situações de emergência.

É o caso de Fan que já intermediou o envio de soros para o Peru, Colômbia e para o Canadá, entre outros países, em conjunto om as secretarias estaduais de saúde e o Centro de Panaftosa da OPAS, que ajuda no envio de soro para a América Latina.

Os profissionais do Hospital Vital Brazil, unidade reconhecida nacional e internacionalmente por receber e tratar pacientes acidentados por animais peçonhentos e por orientar médicos, também estão preparados para fazer diagnósticos e prescrever o soro adequado.

O HVB atende pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com seu corpo clínico 100% capacitado para detectar qualquer acidente com serpente, aranha, escorpião, lagarta ou outro animal peçonhento e administrar o soro adequado. Por telefone, o atendimento é também abrangente, já que a equipe orienta profissionais de saúde de países da América Latina, entre outros.

“Costumamos orientar médicos de vários estados brasileiros e países, que nos enviam fotos de animais peçonhentos e dos sintomas para uma segunda avaliação de diagnóstico. No caso da Guiana, também pudemos ensinar a administrar o soro, pois eles não tinham essa expertise por lá”, afirma Jefferson.

O HVB, construído na década de 1940, também tem como base a pesquisa em antivenenos e a formação de médicos, pilares que permitem o atendimento altamente especializado e a agilidade de processos de doação de soro.

“Claramente, este foi um caso incrivelmente sério e a velocidade com que você respondeu, a vontade de garantir que isso pudesse ser entregue como ajuda humanitária e a coordenação da transferência de antiveneno foram excelentes”, elogiou o parlamentar na carta à diretora técnica de produção de soros do Butantan.

No documento, David Lammy afirma que está conversando com membros do Hospital Público de Georgetown e do Alto Comissariado Britânico para avaliar como a Guiana pode obter um estoque pronto de antiveneno, o que, segundo ele, “exigirá um maior engajamento com o Instituto Butantan”.

“Está claro que o serviço que vocês fornecem é vital, oportuno e, em última análise, salva vidas. Num episódio francamente aterrador, a resposta calma e coordenada do Instituto foi nada menos que excepcional”, escreveu.

Os amigos de Josh também agradeceram pelo esforço dos colaboradores do Butantan para promoverem o envio do soro com sucesso. “A família agradeceu muito todo o envolvimento do Instituto e isso é um reconhecimento. Mas o principal é saber que o paciente se recuperou. Traz uma sensação de dever cumprido”, diz Giulia.

Jefferson reforça que o Hospital Vital Brazil está preparado para ajudar neste tipo de situação seja aqui no Brasil ou fora do país. “Mesmo usando telefone, e-mail e mensagens pelo celular conseguimos ajudar. Isso foi fundamental para salvar a vida dele. Por aqui, continuamos com a nossa missão de ajudar brasileiros e estrangeiros quando necessário”, diz.

Para Fan, o reconhecimento do esforço do Butantan reforça seu propósito de salvar vidas. “Este tipo de trabalho mostra a importância da existência de um serviço que entende a urgência do tratamento de acidentes com animais peçonhentos. Nesse caso, a rapidez no desencadeamento das ações foi o que realmente gerou o sucesso do desfecho e o reconhecimento”, conclui a diretora.

buta2

Fonte: Instituto Butantan

Compartilhar: