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A informação de que um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo – o Piknik Électronik – será realizado na área protegida do Jardim Botânico, em São Paulo, surpreendeu pesquisadores e funcionários do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) e levou a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) a protestar e endossar uma petição feita por estudantes da pós-graduação em Biodiversidade Ambiental e Meio Ambiente do referido instituto.

Marcado para acontecer no próximo dia 4 de março e com duração estimada de 12 horas, o evento no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, onde está situado o Jardim Botânico, colocará em risco a integridade do acervo vivo de plantas e flores utilizado há décadas em pesquisas na área de botânica, além de afugentar animais em vias de extinção que vivem na área e têm nela a sua única possibilidade de sobrevivência no meio urbano.

A bióloga Inês Cordeiro, pesquisadora do IPA e especialista do Núcleo de Conservação da Biodiversidade, afirma que a concessionária Reserva Paulista, que há pouco mais de um ano venceu a licitação para administrar o local, não comunicou ou consultou a comunidade científica sobre a decisão de liberar um espaço de pesquisa, situado em uma unidade de conservação de proteção integral, para sediar um evento comercial conhecido por reunir multidões.

A pesquisadora falou ao site da APqC sobre os impactos negativos que o evento poderá causar à área e sobre as medidas que foram tomadas para tentar impedir a sua realização.

APqC – Como você recebeu a notícia de que um festival de música eletrônica será realizado no Jardim Botânico? Qual a sua opinião sobre isso?

Inês Cordeiro – Nós ficamos sabendo pela imprensa, pelas redes sociais. Em nenhum momento a concessionária que administra o Parque do Ipiranga veio falar com a gente para pedir a nossa opinião sobre o evento, ou seja, foi uma decisão unilateral, que denota desprezo pelo conhecimento de quem trabalha há décadas no Jardim Botânico. Eu, particularmente, vejo com péssimos olhos a realização de um evento dessa magnitude no local, pois ali está o nosso laboratório, o nosso acervo vivo. Nele colhemos informações sobre corpos d’água, vegetação, interação entre fauna e flora… Enfim, são pesquisas valiosíssimas desenvolvidas nessa área e que poderão ser danificadas. É preocupante.

O Jardim Botânico já foi palco de eventos no passado. O que muda em relação ao festival em questão?

Não somos contrários a eventos no Jardim Botânico, mas é preciso separar as coisas. No passado, por exemplo, tivemos concertos de orquestras ao ar livre, mas por poucas horas e com um número limitado de pessoas. Ocorre que este festival de música eletrônica é considerado um dos maiores do mundo, com público estimado em mais de 3 mil pessoas e 12 horas de duração.

E quais são os impactos negativos que um evento como esse pode causar?

São muitos. A começar pelo risco de que muitas plantas do nosso acervo vivo, que são materiais de pesquisa, poderão ser pisoteadas ou arrancadas pela multidão. Mesmo que não haja a intenção de destruir, como é que se controla um público de 3 mil pessoas em uma área que não foi pensada para comportar essa quantidade de gente? Além disso, no Parque temos a presença de diversas espécies de aves, bugios, preguiças, quatis e animais em vias de extinção. Muitos desses animais irão fugir por causa do barulho e das luzes – e alguns poderão morrer, pois estão cercados por rodovias e prédios.

A área contém ainda um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica de Planalto e nela vivem serpentes e outros animais que podem representar algum risco para pessoas não autorizadas na área. A administradora pensou nesse detalhe?

Boa pergunta. Não creio que tenha pensado nisso, pois, se os pesquisadores fossem consultados, teríamos feito esse alerta. Quem vai garantir a segurança das pessoas? Quem garante que algumas pessoas não se arrisquem a caminhar dentro da área da mata? Estamos em uma área preservada e protegida por lei. Esse evento é uma irresponsabilidade sob todos os aspectos. E há mais um detalhe: os organizadores alegam que o barulho que será produzido pelas apresentações musicais não difere muito do som dos carros que chega da rua até o local. Isso não é verdade. Inclusive, eles recomendam que os pais coloquem protetores auriculares nas crianças durante o evento. Se as crianças podem sofrer com o volume do som que será gerado, por que os animais não sofreriam?

A realização de eventos comerciais como esse está diretamente ligada ao fim da gestão pública da área. Os pesquisadores alertaram a sociedade sobre os riscos da concessão – que não deixa de ser um tipo disfarçado de privatização. O que mudou desde que uma empresa privada assumiu o comando do Parque do Ipiranga?

Entre outras coisas, o valor do ingresso que subiu muito – o que impossibilitou a visita de famílias de baixa renda ao local. Mas esse é apenas o detalhe mais evidente. O problema maior está na contradição: ao mesmo tempo em que a concessionária proíbe que nossos alunos de pós-graduação circulem na área interna do Jardim Botânico, com a justificativa da preservação do acervo, libera o espaço para 3 mil pessoas ficarem ali por 12 horas ou mais. Infelizmente, a concessão de espaços públicos abre brechas para esse tipo de exploração comercial. A concessionária e os organizadores do evento vão lucrar muito com esse evento, cujos ingressos vão de R$ 100 a R$ 500. Mas e a pesquisa, como fica? Quem vai reparar os danos materiais e imateriais que a multidão pode causar ao Jardim Botânico? E o que mais preocupa é que isso abra precedentes para que o local passe a ser usado como palco frequente de grandes eventos.

Quem teria o poder de impedir que o evento seja realizado? Os pesquisadores vão tentar barrá-lo na justiça?

Quem devia intervir nisso é a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo. Mas como contar com isso nesse atual governo? Soube que o deputado estadual Carlos Giannazi, do PSOL, acionou o Ministério Público de São Paulo pedindo que o evento seja cancelado – e estamos circulando uma petição que já conta com milhares de assinaturas. Em 2017, uma rave seria realizada no Jardim Botânico, com a anuência do então secretário Ricardo Salles, mas fizemos frente a isso e conseguimos barrar. Iremos até o fim para barrar de novo.

 

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