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Em maio e junho de 2023, o Brasil entrou para a lista de países com casos da gripe aviária de alta patogenicidade em aves silvestres (IAAP, vírus H5N1) e de subsistência ou domésticas. Desde então, uma rede de monitoramento feita pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Saúde (MS), entre outros órgãos, fiscaliza possíveis eventos, sobretudo no litoral do país, onde as aves migratórias, os principais hospedeiros dos vírus, circulam em maior quantidade.

Saiba mais sobre a gripe aviária

Apesar da força-tarefa, o aumento de casos de gripe aviária em aves silvestres e domésticas como patos, galinhas e marrecos, preocupa as autoridades mundiais, já que são animais mais próximos do homem, o que incrementa as chances de o vírus infectar humanos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH), dentro da rota de aves silvestres, os principais reservatórios de H5N1 têm sido as aves anseriformes (patos, gansos e cisnes) e charadriiformes (gaivotas). No entanto, o vírus também se mostrou altamente transmissível em aves domésticas. Até o momento, a maioria dos casos de IAAP H5N1 no Brasil foram encontrados na ave marinha conhecida como Trinta-réis-de-bando (Thalasseus acuflavidus) e Trinta-réis-real (Thalasseus maximus), que se reunem para procriar nas ilhas costeiras, embora o vírus também tenha sido detectado em outras espécies de aves aquáticas como cisnes, gaivotas, biguás e aves de rapina, de acordo com a WOAH.

“A infecção é muito relacionada ao contato com esses animais, então não é uma pessoa passeando pelo centro [da cidade] que vai se infectar. Mas sim os trabalhadores de granjas que lidam com animais que são suscetíveis aos vírus, assim como trabalhadores de áreas de conservação, porque os vírus estão circulando muito em animais silvestres”, afirma a veterinária e virologista Helena Lage Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), em visita ao Instituto Butantan.

O movimento atual do vírus H5N1 clado 2.3.4.4b – que vem causando mortes de milhares de aves e mamíferos pelo mundo – surgiu em outubro de 2020 na Europa, se espalhando para o continente africano no começo de 2021 e atingindo países da Ásia e da América do Norte no final de 2021. Em meados de 2022, ele chegou à América Central e, no final de 2022, à América do Sul, se espalhando por Venezuela, Equador, Peru, Chile, Argentina e Uruguai.

Com essa informação, em outubro de 2022, membros da Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres (PREVIR), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), da qual Helena é uma das coordenadoras, começaram a intensificar as coletas em aves aquáticas para ver se o vírus já tinha sido introduzido no Brasil.

“Em abril [de 2023] identificamos anseriformes positivos, todos assintomáticos, e em alguns deles identificamos o H6N2, mas nada do H5N1. Foi quando o Brasil detectou o primeiro caso em maio. Na ocasião, a WOAH informou que de outubro de 2021 a maio de 2023, 272 milhões de aves já haviam sido eutanasiadas por causa da influenza aviária no mundo, o que é uma situação extremamente preocupante”, afirmou Helena durante a palestra “Primeiro Surto de Influenza Aviária com o subtipo H5N1 no Brasil: o que é isso?”, direcionada a colaboradores e colaboradoras do Butantan.

Como as aves migratórias tendem a parar em áreas de praia, um projeto de manejo ambiental da Petrobras, já existente desde 2001, feito para medir os impactos ambientais da extração de óleo em aves, tartarugas e mamíferos marinhos, também passou a monitorar a influenza aviária no país.

Projeto de Monitoramento de Praias (PMP) percorre as bacias de Santos (SP), com monitoramento realizado de Laguna (SC) até Saquarema (RJ); as bacias de Campos e Espirito Santo (ES), de Arraial do Cabo (RJ) até Conceição da Barra (ES); a bacia Sergipe-Alagoas, de Conde (BA) até Pontal do Peba (AL) e a bacia Potiguar (RN), de Caiçara do Norte (RN) até Aquiraz (CE). No entanto, na visão da veterinária, seria importante ter também um monitoramento mais ativo no interior do país, sobretudo em aves domésticas, já que são animais que também estão sendo afetados pela gripe aviária.

A influenza aviária H5N1 já foi detectada em 1.237 aves silvestres e domésticas em sete estados brasileiros de 15/5 até 04/9. Ao todo, são 86 focos de animais silvestres: 28 no Espírito Santo, 17 no Rio de Janeiro, 15 em São Paulo, 12 no Paraná, 09 em Santa Catarina, 4 na Bahia e 1 no Rio Grande do Sul – todos identificados no litoral.

Em 27/6, o MAPA detectou o primeiro foco de H5N1 em aves de subsistência (domésticas) no Brasil. Ao todo 58 animais entre patos, gansos, marrecos e galinhas foram contaminados em Serra (ES). A segunda detecção em aves de subsistência ocorreu 15/7 em Maracajá (SC), com 228 “aves de fundo de quintal”, ou seja, domésticas.

Risco de infecção em humanos

Foi a PREVIR, inclusive, que conseguiu identificar vírus influenza aviária de baixa patogenicidade em aves de subsistência no Brasil. Em regiões de litoral ou em áreas mais rurais, é comum ver aves silvestres como cisnes, gansos e gaivotas, que surgem durante as ondas migratórias, se aproximarem de aves domésticas. Durante este intercâmbio é que os animais domésticos costumam ser infectados.

“O Brasil tem grandes plantações de arroz na região sul e nelas são soltos alguns marrecos para controlar pragas. Neste momento, essas aves domésticas têm alguma interface com as aves silvestres. Com isso, detectamos alguns vírus nestes animais”, explica Helena.

Para a veterinária, o que deve ser um ponto de alerta é que alguns vírus da influenza aviária não altamente patogênicos em aves podem também infectar humanos. Ou seja, no Brasil há outros subtipos de gripe aviária atingindo aves. Apesar de não serem letais, não se sabe quais efeitos estas contaminações poderiam acarretar nos humanos e se estes seriam uma forma a mais de fazer o vírus se transformar.

“Temos vários vírus com baixa patogenicidade em aves que infectam pessoas, inclusive o H9N2, que tem sempre uma preocupação, e alguns H7. Há linhagens de vírus de H9 mais adaptados para humanos também. Mas, no Brasil, todo o programa de vigilância passiva do MAPA é baseado na detecção dos vírus de alta patogenicidade.”, destaca.

Questionada se, por isso, há um risco maior de termos infecções em humanos no país, a especialista acha que ainda é cedo para afirmar. Mas não descarta o risco.

“A partir do momento que existe um caso confirmado ou suspeito de influenza aviária, o Ministério da Saúde é acionado e eles fazem a coleta do material de pessoas que tiveram contato com estes animais. Então, há um risco [de infecção em humanos]. Mas não acho que seja alto porque as pessoas estão instruídas a usar equipamentos de proteção individual e o Ministério da Saúde tem monitorado possíveis casos”, disse a veterinária.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de janeiro de 2003 a 17 de agosto de 2023, foram registados 878 casos de infecção humana pelo vírus da gripe aviária A(H5N1) relatados em 23 países. Destes 458 foram fatais, o que representa uma letalidade de 52%. Entre 2020 a 2023, 19 pessoas foram infectadas com o H5N1 no mundo, entre estas, na China, Espanha, Laos, Índia, Camboja, Reino Unido, Estados Unidos, Vietnã, Equador e Chile.

“O vírus que infectou pessoas pela primeira vez na América do Sul  é do clado 2.3.4.4b, , como a criança do Equador cuja família tinha adquirido uma ave doméstica vinda de um criadouro infectado”, afirma Helena.

Infecções em mamíferos preocupam

Ao menos 14 países detectaram casos de influenza aviária em mamíferos somente em 2023, entre eles vários países europeus (Bélgica, França, Reino Unido, Espanha, Estônia e Irlanda), da Ásia (China e Japão) e das Américas (Canadá, Peru, Chile, Argentina, Uruguai e Estados Unidos).

Os casos envolvem mamíferos silvestres e de criações comerciais como raposas, leopardos, gambás, coiotes, entre outros. Além disso, o vírus foi detectado também em mamíferos marinhos como golfinhos, focas, botos, lontras e leões marinhos no Peru, Chile e mais recentemente na Argentina, criando a necessidade de se criar programas de monitoramento específicos de mamíferos de criação comercial e de zoológicos, por exemplo.

Apesar da infecção em humanos ser considerada rara, o contato com alguns destes mamíferos também preocupa as autoridades sanitárias, sobretudo porque anos atrás a gripe aviária não acometia mamíferos – o que hoje é uma realidade.

Entre 2022 e 2023 surgiram novos casos de infecção em humanos após convívio com animais ou em locais onde as espécies habitavam. “Houve o caso de um senhor no Chile cuja infecção não teve relação direta com aves. Mas o vínculo epidemiológico ainda não foi completamente esclarecido. Temos várias vacinas em desenvolvimento para o enfrentamento como as que estão sendo desenvolvidas pelo Butantan”, ressalta.

O que deve ser encarado com atenção é que tanto vírus de alta patogenicidade, como o H5N1 e H7N7, como os de baixa patogenicidade como o H10N3, H9N2, H3N8, entre outros, são capazes de infectar pessoas esporadicamente.

“A bagunça genética que esse vírus tem feito é preocupante. Ele está se rearranjando com outros vírus de baixa patogenicidade. A partir do momento que se tem a circulação do vírus em várias partes do mundo, com vários hospedeiros, há uma chance maior de que haja um tipo de evolução como o shift antigênico (quando dois ou mais subtipos de vírus se combinam e formam um novo). Por isso, a vigilância genômica do vírus neste período é tão importante”, pondera Helena.

Fonte: Instituto Butantan

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